Eu acho que ao usarmos o inglês para nos conectar com o mundo, acabamos atraindo muito a América do Norte e reforçando esse domínio que a América do Norte tem sobre o debate internacional, principalmente através da tecnologia.

Esse não é um problema muito brasileiro, já que vejo poucos brasileiros gravando material em inglês para alcançar o mundo, mas sim um problema mais europeu e indiano. Como vocês acham que é possível ultrapassar essa barreira no caso brasileiro? Gravar em espanhol afastaria os brasileiros do conteúdo, mas mesmo assim é necessária uma integração com a América Latina.

Como desfazer a posse que o inglês e a América do Norte tem sobre a cultura mundial (e da Internet)? Estou cansado das mesmas gírias e debates tão particularmente estadunidenses. Aprendi inglês para me comunicar com o mundo e hoje conheço a maioria das capitais dos EUA, mas tão pouco sobre o resto da América.

Finalmente, como ampliar esse debate além das Big Techs (também estadunidenses) para termos uma solução verdadeiramente soberana? O Google pode disponibilizar transcrições e traduções no seu conteúdo e nos vídeos do Youtube, mas como tomar posse dessa tecnologia para um debate além dos Estados Unidos? O que vocês acham?

  • qyron@sopuli.xyz
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    19 days ago

    Olá, pessoal.

    Perdoem o sequestrar a vossa conversa mas já que se está a falar em português, deixem-me acrescentar os meus dez tostões.

    É verdade que o inglês se tornou a língua franca de facto quer pela imensa influência cultural exercida pelos EUA através do cinema e outra produção artística e cultural, quer pela influência económica e política, mas também porque é uma língua fácil de adquirir. Não ajuda eles terem feito muito do desenvolvimento tecnológico em que o mundo moderno assenta.

    Alternativas? Em termos de discurso, sequestrar o idioma e falar nos nossos temas na língua deles. Usar a língua o mais formalmente possível e evitar calão e acrónimos. Contrariar activamente a narrativa. Uma linguagem deve servir para expressar o seu utilizador. E criar mais no nosso idioma e divulgar e difundir. Em Portugal, estamos a receber imensas séries de origem espanhola, turca, italiana e francesa. Produção cultural brasileira já é um dado adquirido há muitos anos, por cá.

    Não devemos recear sermos nós mesmos, mesmo que usando outra língua para o fazer.

    • obbeelOP
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      19 days ago

      Eu acho que a apropriação do inglês não funciona tão bem quanto a apropriação de uma linguagem em um país anteriormente colonizado porque o cidadão não vive aquela língua. Diferentemente de um país anteriormente colonizado, a língua não é falada com seus compatriotas no próprio solo, permitindo que a língua seja transformada e adequada sem a influência de terceiros. Lógico, há uma certa pressão estrutural, como por exemplo a existência de uma gramática normativa que, sem dúvidas, tem a influência dos outros países lusófonos. Mas no caso de se apropriar do inglês, não há a mesma conversa entre os países num nível tão intenso quanto se fala no solo de um país que precisa do uso da língua formal para sobreviver. A língua está sujeita a modificações, mas no uso do inglês em um ambiente digital, essa conversa sempre passa pelos EUA - isso é especialmente verdadeiro dado o controle da informação por empresas estadunidenses. Como se apropriar do inglês nesse cenário? Não acho que seja possível.

      Talvez devamos nos atentar à possibilidade de fazer com que a tecnologia traduza a linguagem para entender a comunicação em outros países ao invés de ficarmos presos em uma comunicação não-natural no inglês. Na Europa, acho que o francês e o alemão tem pegadas (analogia com pegada digital) interessantes na linguagem. Acho que é possível falar diversas línguas, especialmente se esse processo for acelerado por tecnologia (exemplo: falar romeno na Romênia). Falar inglês na Europa me parece ter uma característica colonial até mesmo para os europeus.

      • qyron@sopuli.xyz
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        19 days ago

        Considero-me uma pessoa minimamente culta e admito que depois de várias leituras e algum tempo de reflexão a única opinião que levanto desta resposta tão eloquentemente composta é algaraviada.

        Língua e linguagem são ferramentas do seu utilizador, servem-no, melhor ou pior quanto o seu domínio sobre elas.

        A emergência do inglês como língua franca de facto terá a sua ligação a um pós guerra em que um país orientou de forma mais preponderante a política mundial e difundiu a sua cultura e produção cultural e tecnológica mais alargadamente mas é apenas pragmático adoptar uma língua que facilita o intercâmbio de ideias.

        Se outras línguas se permitiram abastardar com estrangeirismos, venderam a sua identidade por nada.

  • guilhermegnzaga
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    19 days ago

    Eu acho que quase todo projeto/grupo que vou fazer parte em qualquer plataforma (IRC, XMPP, mensagens do reddit, servidores do discord) sempre o idioma principal é inglês (com excessão de canais sobre concurso, estudos, lingua portuguesa, o pessoal do lemmy rsrsrs etc…). Inclusive já vi grupos de projetos de programação com vários brasileiros e falantes de idiomas latinos que o que estava rolando de conversa era em inglês. Isso é um saco.

    Fora isso como conteúdo principal, num vídeo no youtube por exemplo, o máximo que pode acontecer é você disponibilizar as duas dublagens nos dois idiomas (pt-es), onde uma delas pode ser uma dublagem horrenda e inexpressiva feita por computador. Realmente, eu leciono inglês e leio muito na web… É em inglês o que eu mais consumo de qualquer maneira… Mas acho que ficar preso no idioma anglo-americano e ver as plataformas despejando informações e conteúdos que cada vez mais saúdam e/ou são coniventes com as ideologias mais horrendas dessas porcarias de países. Vê-se o X por exemplo: virou uma panfletagem incisiva sobre assuntos ridículos como a islamização da europa e demais falácias eurocentristas… O mesmo acontecerá sucessivamente com as outras redes, incluindo o youtube.

    Então, para mim PRIMEIRO: Eu já tenho a pré-concepção que eu não terei espaço pra tratar de coisas relevantes nessas plataformas, tampouco para formalizar ou decidir um idioma para comunicar os mesmos. Pra fugir, eu tive que sair procurar, realmente eu me senti cercadão dentro da internet de uso comum pra nós lusófonos que falam inglês. Passei um tempo estudando russo/eslavo e deu pra ter um contato legal com pessoas que vivem de cabo à rabo sobre dois continentes.
    Também tive a experiência em que conheci através internet uma pessoa da Síria que me ajudou bastante a entender o pessoal de lá, e eu agradeço muito a cada tradução que ela fez de memes e outras coisas como artigos de notícias que eu queria saber (rsrs) Enfim, a minha solução foi sair caçar o que eu queria. Tem muita gente falando de tudo e com ótimos assuntos por aí em inglês, mas se eu quisesse ver algo realmente diferente eu tive que sair um pouco. Por mim, não só para o português e espanhol, a gente tem que se abrir pro mundo, o conceito de querer saber o que alguém tá pensando sem saber o idioma dela se tornou abstrato pra mim com o tempo, fica o testemunho.

    Gostaria que o pessoal da LATAM conseguisse ter uma comunicação unificada, podendo assim pelo menos ‘não usar as mesmas palavras’ que esse pessoal.

    • obbeelOP
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      19 days ago

      Encontrei no XMPP alguns grupos que falam em espanhol que parecem ser argentinos, então me parece que há uma evolução por esse lado. Mas acho que o espanhol é a língua que tem mais chance de unificar uma comunicação latinoamericana. É mais fácil imaginar uma “Big Tech” latinoamericana, como por exemplo uma rede social em espanhol para unir as comunidades latinoamericanas, do que uma “Big Tech” em português com o mesmo fim. Talvez a tradução por computador não seja perfeita, mas é o que temos mais próximo para fazer com que as pessoas se entendam.

      Como você disse, tem uma concentração da comunicação nessas empresas, e isso não é um molde fácil de quebrar, especialmente com um empresariado tão vendido aos interesses dos EUA. Como conseguir o investimento para criar uma empresa latinoamericana de rede social e tecnologia quando conversamos com pessoas que não entenderiam nem o fim que tal empresa teria? É muito difícil. E o Brasil se deixou estruturar por esses interesses. Tudo no Brasil é NVIDIA, Oracle e Microsoft - e olha que somos vistos como uma região de pouco interesse internacional em iniciativas empreendedoras nacionais, ao menos na tecnologia.

      Lembro que a UOL e outras empresas chegaram a tentar, com o UOL Mais (era uma alternativa ao YouTube, que as pessoas criavam seus próprios vídeos) e o MinhaTeca (site de compartilhamento de arquivos que foi fechado pela Justiça), mas a voracidade do Google foi mais longe em acabar com a oposição.

      O brasileiro comum tem que entender a importância de ter uma empresa nacional ou latinoamericana que faça esse serviço. Enquanto não houver, estaremos presos nesse cenário. Você conversa com pessoas da tecnologia, e elas estão sempre falando que produtos dos EUA são bons e China são xing-ling. Essa visão ainda é predominante no cenário tecnológico brasileiro e vai ser difícil chegarmos em algum lugar de destaque com essa visão. Para acessar esse tipo de visão, basta visitar os fóruns do Clube do Hardware ou o Adrenaline. É impressionante como estamos distantes de uma visão tecnológica nacional olhando por esse lado.

      O cenário não é nada animador pra quem quer construir alguma coisa de importância para o Brasil, e a fuga (de correr para longe mesmo) de cérebros é real e as pessoas vão lá tentar a sorte na Europa. Precisamos que as pessoas fiquem e que sejam valorizadas ao tentar construir algo de valor para o Brasil. Vi o desenvolvedor do Tucano (uma LLM feita por um brasileiro usando um corpus brasileiro chamado GigaVerbo) apresentando o modelo e os questionamentos dos presentes na conversa não foram nada bons, com um representante da NVIDIA chegando a perguntar se eles (o projeto era de mais de uma pessoa) tinham usado tecnologia da NVIDIA para desenvolver o modelo. É um horror.

      Mas tudo precisa começar em algum lugar. Acho que o Fediverso e o Open-Source, especialmente o conceito de Small Web, têm futuro para o Brasil, sendo necessário que a tecnologia brasileira ganhe destaque pelo menos no cenário nacional. O Brasil é bom de TI, temos o Elixir e a Lua, além de várias outras iniciativas brasileiras que foram importantes. Precisamos chegar em algum lugar.

    • luminn
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      11 days ago

      Eu tinha uma ideia desde a pandemia de que seria legal criar uma Língua Zonal Latinoamericana que pudesse ser usada pra estimular mais a comunicação entre falantes de espanhol e português, principalmente na internet.

      Seria basicamente um portunhol formalizado pra ser uma língua intermediária. Você fala sua língua nativa no seu país mas usa a língua intermediária pra falar com os outros. Poderia ser até a “língua oficial” de projetos entre países. Sendo uma língua planejada, ela poderia ter uma ortografia bem mais simples pra ser mais fácil de aprender e ter empréstimo das palavras e expressões de vários países diferentes.

      Nunca tirei essa maluquice do papel pq eu achei que ia dar muito trabalho kkkk

  • nossaquesapao
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    19 days ago

    Penso que a questão do centrismo nos eua é muito mais cultural e política do que de idioma. Tem muitos países do sul global com muitos falantes de inglês e muitos que adotam o inglês como língua oficial, mas não temos contato com essas pessoas, justamente porque não é só uma questão de idioma.

    Então penso que o caminho pra se desfazer esse centrismo não deve focar na língua em si, mas em buscar criar novos laços culturais com países que estão de fora da atenção da mídia. E por falar em mídia, abre só um g1 da vida pra ver como quase se tem mais notícias dos eua do que propriamente do nosso país. É uma invasão cultural muito grande que sofremos