Banco público de fomento está sendo utilizado para promover privatizações e enfraquecimento do poder público a serviço de interesses privados, como mostra o caso da privatização da COSANPA, estatal da água no Pará.
Welfesom Alves | Redação PA
BRASIL – Por definição, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é uma entidade vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e deveria servir para fortalecer a economia brasileira por meio da iniciativa pública. O anúncio da COP-30 (evento internacional que reúne nações e grandes capitalistas para discutir as mudanças climáticas e as possibilidades de lucrar com elas) em Belém, levou o Governo do Estado do Pará e a diretoria do banco a dialogar sobre a possibilidade de investimentos na ordem de R$5 bilhões, sendo R$3 bilhões na linha de financiamento de estados e municípios. O Pará é rico, possui capacidade de endividamento, e ainda assim submete seu povo à pobreza.
Acontece que os projetos deste banco deveriam servir para que o poder público se fortalecesse, utilizar os recursos a serviço do povo pobre. Contudo, a agenda de privatizações praticada pelo Governo Helder Barbalho (MDB) no Pará e a conivência da gestão da presidência do banco, de Aloizio Mercadante, buscam permitir o avanço da privatização da água e encarecimento do custo de vida da classe trabalhadora.
BNDES e a modelagem
Em evento no dia 2 de junho de 2023, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) anunciou que a concessão da água e saneamento no Pará estava sendo realizada pelo banco como parte da agenda da COP-30. Com esse nome pomposo de concessão, busca-se entregar um bem necessário à vida humana para gerar lucro.
Na proposta do BNDES, a concessão para as empresas seria de 40 anos, com um investimento previsto de R$18 bilhões escalonados a cada 5 anos para alcançar 5,4 milhões de pessoas. Para a execução do plano, o Pará seria dividido em 4 blocos de concessão composto por: A – Região Metropolitana de Belém e Marajó; B – Nordeste do Pará; C – Oeste do Pará; e D – Sudeste do Pará.
O sistema de água e saneamento é composto por: Produção, Distribuição, Esgotamento Sanitário, Gestão Comercial e Água e Esgoto dos SAAEs (Serviço Autônomo de Água e Esgoto). Na concessão, a COSANPA passa a existir apenas no Bloco A, sendo responsável apenas pela produção de água, todo o resto passa a ser de responsabilidade das concessionárias, onde a COSANPA será obrigada a vender água potável para essas empresas a um preço abaixo do que hoje vende, passando de R$4,59 para R$1,70 por m³ (metro cúbico) de água tratada.
O esgotamento sanitário é praticamente inexistente no Pará. 118 municípios não possuem nenhum tratamento de esgoto e 13 tratam abaixo de 10% do esgoto que é despejado integralmente nos rios (inclusive os que são de origem hospitalar). Contudo, isso não é falta de capacidade da COSANPA ou dos trabalhadores e sim da gestão dos governos anteriores e ineficiência do setor privado onde já há. No estado há uma tarifa de 60% que incide sobre a conta de água que deveria ser destinada para a universalização do serviço de esgotamento sanitário, porém o recurso não chega a ser visto.
Universalização do serviço
Para abrir caminho ao setor privado o governo golpista de Michel Temer (MDB), então presidente da República em 2018, editou a Medida Provisória 868/18 que alterou o Marco Legal do Saneamento esvaziando o controle social nos municípios e privilegiando as concessões. Mas foi no governo do fascista Jair Bolsonaro que o Projeto de Lei é sancionado. Resumindo, incentiva o aumento do controle da água e saneamento de empresários do setor ou não, basta que paguem mais pela outorga (concessão).
A meta oficial do novo marco é alcançar a universalização do serviço até 2033, onde 90% da população deve ter acesso ao esgotamento sanitário e 99% deve ter acesso à água potável. No projeto elaborado pelo BNDES, o acesso à água é alcançado em 2033 e o esgotamento sanitário em 2037, portanto fora do prazo, e para atingir tais metas serão necessários investimentos de R$18 bilhões de reais, mas o que não se diz é que hoje estão investidos R$2 bilhões pela COSANPA que serão entregues à iniciativa privada sem compensação alguma ao estado.
Outro ponto é que no capitalismo o povo não pode ter tudo, não pode ter pleno emprego porque os empresários ficam sem o seu exército de reserva, perdem a capacidade de demitir a qualquer momento e são pressionados a aumentar os salários, e não pode ter água e saneamento básico pois o plano não contempla trabalhadores rurais.
Articulação e luta
No dia 05 de junho, o Sindicato dos Urbanitários do Pará, categoria que atua na COSANPA, promoveu um seminário para discutir o plano de modelagem e apresentar propostas de luta contra a privatização do serviço de água. A Unidade Popular (UP), o Movimento Luta de Classes (MLC), Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Movimento de Mulheres Olga Benário, entre outras organizações e coletivos fortaleceram a atividade para conduzir a luta no estado.
Em entrevista para o jornal A Verdade, Marcos Montenegro, que é engenheiro e membro da coordenação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS) destaca que a saída não é a privatização: “Nós primeiros vimos a gravidade dos problemas que existem no serviço prestado à população do Pará, por outro lado discutimos também que a privatização não é a saída. Foi feita uma crítica à política implementada pelo atual governador [Helder Barbalho] com o apoio lamentavelmente do BNDES. Não vai ser por meio da concessão de serviços essenciais que vai se resolver o problema do acesso”.
Já Juliano Ximenes, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA, em Belém, e conselheiro do ONDAS ressalta os interesses imperialistas na Amazônia: “É muito grave porque é um esforço desses segmentos reacionários no sentido de ampliar a esfera das mercadorias, de transformar a água numa mercadoria no sentido mais completo, isso vai implicar em desigualdades muito graves e têm uma ameaça à sobrevivência da população trabalhadora, e a luta é para colocar isso no debate público. Devemos criar um foco de resistência para criar uma crítica sistemática, e é muito grave porque o Pará, assim como o Amazonas, como tem uma disponibilidade de recursos hídricos de água doce superficial, um processo desse pode representar a perda de soberania, porque você pode exportar essa água, dando origem a expropriação por esses agentes internacionais, empresariais, enfim, norte-americanos, canadenses, belgas, franceses, espanhois, alemães, que são os principais atores”.
Também conversamos com Luís Alberto Rocha, professor da Faculdade de Direito da UFPA e assessor jurídico da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) que pontua a necessidade de ouvir o povo paraense: “A principal questão do BNDES modelar o saneamento é não ter a perspectiva do Pará. Temos muita capacidade instalada que poderiam ser consultados para fazer a análise da modelagem do saneamento. O que tem acontecido é que a gente importa um modelo que não leva em consideração o povo paraense e faz um olhar exclusivamente sobre eficiência econômica, e quando tratamos de serviço público envolve a qualidade de vida das pessoas”.
Governos temem revoltas populares
Não é simples entregar um bem público, os capitalistas buscam desde 2016 viabilizar o caminho para ampliarem seus lucros, esbarram em interesses locais e regionais, mas acima de tudo tem medo que a classe trabalhadora se organize. A tradição brasileira é de orgulho do trabalhador e de todas as suas conquistas. A COSANPA é resultado do esforço diário dessa classe que hoje vê uma defasagem de pelo menos 70% do seu quadro de funcionários.
Não seria a primeira vez que um povo se revolta para garantir água de qualidade. A Guerra da Água de Cochabamba (cidade da Bolívia onde ocorreu a revolta) se deu entre janeiro e abril do ano de 2000, assim ficou conhecido o movimento que reestatizou a água no país, possível apenas com ampla organização popular.
Entrevistado pelo Jornal A Verdade, Waldir, diretor do Sindicato dos Urbanitários do Estado do Pará, indica os motivos da precarização do serviço: “O sindicato está mobilizando as entidades e a população para se somarem na luta. O que é que está por trás do interesse da privatização? Esse é um ponto importante que precisamos apresentar para os deputados e para a população, que está sendo feito um sucateamento muito grande por parte do governo do estado através da diretoria da COSANPA para que a população tenha essa visão de que a iniciativa privada é quem vai prestar um bom serviço”.
O Movimento Luta de Classes (MLC), junto à Unidade Popular, o Movimento de Mulheres Olga Benário e Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), esteve realizando denúncias sobre a falta de água no bairro da Marambaia e constatou o interesse da população em lutar pela garantia de um serviço de qualidade. Gian Victor, do MLB, destaca o caminho da luta popular: “É importante para mostrar a indignação do nosso povo, que em sua maioria é contra a política de privatização, também é uma forma de defender nosso direito a um item básico que é água e saneamento e mostrar que a água não deveria ser uma mercadoria e sim um direito garantido a todos os trabalhadores”.
Como podemos constatar não temos saída nos parlamentos, nos resta as ruas, principal elemento para mudar qualquer correlação de forças. É inaceitável que uma medida que vai atingir diretamente o povo, não passe por debates, audiências públicas, já que o que aconteceu com a CELPA é um exemplo de que a privatização apenas tornou o serviço mais caro. Podemos virar o jogo nos acréscimos se entendermos que o destino da classe trabalhadora é dirigir a produção, as relações sociais, o mundo.