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Laís Martins e Leandro Becker, 3 de dez de 2024, 12h40.
Dez homens acusam o jurista e professor de Direito da Universidade de São Paulo, Alysson Mascaro, de assédio e abuso sexual. Todos são alunos ou ex-alunos e têm entre 24 e 38 anos. Os relatos feitos ao Intercept Brasil citam episódios que teriam ocorrido entre 2006 e o início de 2024 que incluem condutas inadequadas, beijos forçados e até estupro.
Alysson, como costuma ser reconhecido, é professor associado da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco) e livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP. É considerado uma referência no pensamento marxista no Brasil e ficou conhecido por livros publicados pela editora Boitempo e por ter um canal no YouTube com mais de 50 mil seguidores.
A maioria das vítimas ouvidas pelo Intercept conheceu o professor no Grupo de Pesquisa Crítica do Direito e Subjetividade Jurídica, vinculado ao Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da USP. Os dez homens relatam um padrão de comportamentos e atitudes nas abordagens de Alysson.
Segundo as vítimas, o professor se aproximava com promessas de apoio profissional e reafirmava mais de uma vez o grande poder de influência que teria – o que também as intimidava em trazer a público os assédios e abusos que relatam ter sofrido.
As vítimas afirmam que colegas e pessoas próximas na Faculdade de Direito da USP sabiam do comportamento do professor. Uma delas, que atuou na coordenação do grupo de pesquisa, disse que alguns integrantes teriam inclusive a tarefa de apagar comentários postados no perfil do docente no Instagram que falassem ou sugerissem que Alysson assediava alunos.
Além de concederem entrevistas, presenciais e por vídeo, todas gravadas, as dez vítimas compartilharam e-mails, documentos e prints de mensagens – que tiveram o número de remetente atribuído a Alysson checados – sobre o que narram.
Também ouvimos, ao longo de dois meses, outros seis amigos das vítimas, que corroboram os fatos narrados. Vítimas e pessoas próximas a elas não serão identificadas nesta reportagem por temerem represálias. O Intercept também não publicará detalhes dos casos que possam contribuir para a identificação das fontes.
A defesa de Alysson informou que “as afirmações veiculadas nesta matéria carecem de materialidade, uma vez que as imputações são fundadas em supostos relatos obtidos por meios manifestamente ilícitos e espúrios, que já estão sob apuração policial” e que “não se pode ignorar que todo o contexto da reportagem foi construído por contas falsas, que operam com o objetivo expresso de macular a honra de Alysson Mascaro”. Leia aqui a resposta completa.
Já a Faculdade de Direito da USP, por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa, disse apenas que “não foi formalmente informada sobre os fatos” e que, em caso de denúncias formais, haverá a instauração de procedimento administrativo apuratório.
Alerta de gatilho: esta reportagem contém relatos explícitos de assédio e abuso sexual.
Dois dias de medo e abuso
Um dos alunos do Grupo de Pesquisa Crítica do Direito e Subjetividade Jurídica relatou ter sido abusado sexualmente por Alysson ao longo de dois dias. Ele não morava em São Paulo, mas contou que foi à cidade para assistir a uma aula na USP a convite do professor, que ofereceu hospedagem em sua casa, um apartamento localizado no centro da capital.
O aluno havia conhecido Alysson através de transmissões no YouTube em 2020, enquanto pesquisava por teóricos juristas de esquerda. Em 2022, ele se inscreveu no grupo de pesquisa organizado pelo professor e vinculado à USP. Para ser aceito, destacou, teve de passar por uma entrevista em chamada de vídeo com Alysson que durou quatro horas.
Ao longo dessa conversa, o aluno pontuou que Alysson falou sobre como era uma pessoa influente, com amigos no Supremo Tribunal Federal e amizade com advogados importantes, além de “pupilos” que seriam desembargadores. “Justamente para criar essa aura”, disse o aluno ao Intercept. Na conversa, afirmou ele, Alysson fez analogias entre o aluno e ele com Platão e Sócrates. Outras vítimas relatam ter ouvido o professor fazer a mesma analogia.
“Ele fala essas coisas para criar uma sensação, para você ficar encantado e pensar: ‘nossa, ele está vendo um valor em mim que quase ninguém viu’. É para captar”, relatou o estudante.
Já nessa primeira conversa, segundo o aluno, Alysson o convidou para ir a São Paulo. “Eu fiquei muito animado, em êxtase, porque tenho todos os livros dele aqui, livros dos orientandos dele. Vi todas as lives e palestras dele no YouTube”, disse.
Quando chegou ao apartamento de Alysson, o estudante afirmou que o professor o abraçou e disse: “finalmente você está aqui, meu pupilo querido, dê um abraço em seu mestre, finalmente podemos dar esse abraço”. Ele relatou que, em seguida, Alysson começou a passar a mão no corpo do estudante, colocar a mão por dentro de sua roupa e tirar a própria camisa. Depois, teria passado a beijar o pescoço do aluno e tentar beijar sua boca.
“Foi aí que eu percebi: vou ser estuprado. Eu pensava: ‘caí na cova do leão, vou ser estuprado’”, disse o aluno ao Intercept. Ele contou que pensou em fugir, mas avaliou que o professor, por ser um homem alto, poderia alcançá-lo e machucá-lo. Afirmou que também pesou o poder de influência que Alysson lhe disse que tinha – e que uma eventual fuga poderia prejudicá-lo por conta de alguma interferência do professor.
“Ele tem todo esse poder que falou que tinha, que tem contato para dar com pau, desde o Supremo Tribunal Federal até o Ministério Público, Judiciário, alto escalão. Se eu sair daqui, ele me mata, ou ele me apaga e me estupra apagado ou ele me fode depois se eu acusar ele”, relatou o aluno.
Ao longo desse dia e do seguinte – quando ele retornou à sua cidade – o estudante disse ter sido abusado ao menos sete vezes. Em uma delas, afirmou ter pedido ao professor que parasse – mas foi ignorado. Durante os abusos, segundo o aluno, Alysson lhe pedia para dizer que o amava e que abraçasse “seu mestre”.
“Tinha momentos que eu pensava: ‘vou entrar no jogo, vou fingir que estou amando porque aí ele goza logo e acaba essa porra desta merda que está acontecendo comigo”, pontuou.
O aluno ainda relatou que o professor não usou preservativo, o que o deixou preocupado. Ele contou que chegou a questionar Alysson sobre o risco de doenças venéreas, mas recebeu apenas uma resposta evasiva.
O estudante também afirmou que, ao longo dos dois dias, o professor expôs o nome de outros alunos e orientandos com quem já teria se relacionado sexualmente. Quando andavam pela cidade, citou em seu relato, Alysson forçava beijos, inclusive dentro da Faculdade de Direito da USP, quando ninguém estava por perto.
Uma história que se repete
Os depoimentos ouvidos pelo Intercept narram a mesma abordagem de Alysson Mascaro com outros de seus alunos há cerca de 20 anos. Dois relatos de pessoas que não se conhecem, de episódios que teriam ocorrido em 2006 e 2007, reforçam essas semelhanças.
“Ele era um cara novo, carismático, falava super bem e era uma super referência da esquerda”, afirmou um aluno que teve aulas com Alysson em 2007 na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O professor lecionou lá até 2016, segundo consta no seu currículo Lattes.
O estudante relatou ter procurado o professor para discutir um projeto de pesquisa. Inicialmente, marcaram um café no campus da universidade. Ele contou que, então, Alysson propôs que fossem tomar uma cerveja depois da aula. Depois, disse ele, remarcou para um sábado à tarde, na sua própria casa, pois ficariam mais confortáveis.
Por ter sido alertado por colegas de faculdade mais velhos sobre o comportamento de Alysson, o aluno disse que decidiu, por precaução, levar um amigo junto no encontro com o professor.
Quando chegaram lá, relatou o estudante, Alysson propôs abrir um vinho, mas o aluno diz ter insistido que antes falassem do projeto de pesquisa. “Qualquer pergunta que eu fazia ele dava uma resposta de uma linha, super evasivo e tentava mudar o assunto”, relatou ele ao Intercept. “Depois de uns cinco minutos nessa conversa, vi que não ia dar em nada. Então, fingi que tocou meu telefone”. Ao sair para atender o telefone, contou o aluno, Alysson chamou o amigo para ver a nota de uma prova dele que estaria em seu quarto.
Da sala, o aluno relatou que podia ver Alysson e seu amigo sentados na cama, com a luz acesa. “Fui até lá e estavam os dois sentados na cama folheando as provas. Meu amigo estava super desconfortável”, disse. “Meu amigo olhou para mim com o olho meio arregalado, dando um sinal e aí eu fingi de novo que meu telefone tocou e atendi no corredor”, afirmou.
Quando voltou, dizendo que precisavam ir embora, o aluno pontuou que Alysson agarrou seu amigo, deitou na cama e colocou a perna sobre ele. “Quando cheguei, ele me olhou com uma cara esquisita e me chamou para sentar junto. Eu fiquei na porta chamando meu amigo para ir embora”, afirmou. Ele diz que o professor ficou alterado com a reação e disse que eles precisavam ficar mais tempo ali para falarem sobre a prova.
“Na minha visão de leigo, meu amigo ficou em choque. Ele estava com os braços cruzados, contraído, não respondia, não levantava. Aí eu peguei ele pela mão e falei que iríamos embora”, ressaltou.
O estudante contou ao Intercept que, mais de dois anos depois do episódio, enquanto ainda era aluno do Mackenzie, Alysson teria começado a persegui-lo no campus. “Em qualquer momento que eu estava num grupo de amigos, ele chegava atravessando e falava alguma coisa bastante constrangedora, como ‘quando é que você vai lá em casa de novo pra gente terminar o que começamos’”, salientou. Essa situação, segundo o aluno, durou até ele se formar e deixar de frequentar a universidade.
O Intercept questionou o Mackenzie sobre o fim do vínculo com Alysson e se a universidade teve conhecimento de denúncias contra o professor. Também perguntamos quais os mecanismos para relatar casos de abuso e assédio sexual e como a instituição garante que providências serão tomadas a partir das denúncias. Até a publicação desta reportagem, o Mackenzie não se manifestou oficialmente.
Após a publicação, por telefone, a assessoria de imprensa do Mackenzie informou que a universidade não recebeu nenhuma denúncia relacionada ao comportamento de Alysson durante o período em que ele atuou como professor. Destacou, ainda, que sua saída não foi relacionada a casos de abuso ou assédio sexual.
Tentativa de beijo em conversa sobre pesquisa
Em 2006, Alysson ainda não lecionava na USP. Mas um aluno do Largo São Francisco na época relatou ao Intercept que foi aconselhado por outro docente a conversar com o professor porque a pesquisa que pretendia fazer era em uma área na qual Alysson era um especialista.
O estudante e Alysson marcaram, por e-mail, um encontro para falar da pesquisa. O aluno afirmou que o professor enviou um endereço no centro de São Paulo. “Eu não sabia se era um escritório, se era um apartamento, se era uma casa, tinha um número, e aí chego lá e descobri que era a casa dele mesmo”.
Estudante e professor, disse ele, sentaram-se na sala do apartamento de Alysson e iniciaram a conversa sobre o projeto de pesquisa. “Ele começou a falar algumas coisas muito gerais sobre o meu tema, mas nada específico que mostrasse que ele tivesse de fato lido o trabalho”, contou ao Intercept.
O professor então, de acordo com o relato, disse que tinha um trabalho que dialogava com o tema e pediu que o estudante o seguisse. Segundo o aluno, ao entregar a tese, Alysson o agarrou.
“Aí eu tento segurar, falo ‘não, professor’, aí ele falou: ‘mas você não é gay?’’. E aí eu disse: ‘não, não é sobre isso’”. O estudante relatou que Alysson ainda tentou beijá-lo na boca, mas ele conseguiu se virar. Em seguida, afirmou ter conseguido se desvencilhar e, então, Alysson sugeriu que fossem tomar um café na rua.
“Eu tinha ido com a intenção de fato de ouvir sobre o trabalho, ouvir as contribuições dele, que o próprio orientador tinha recomendado essa conversa com ele, e de fato eu admirava o Alysson porque era uma figura, um dos poucos que estudava esse tema de direito e marxismo”, explicou o aluno ao Intercept.
No café, segundo o estudante, Alysson começou a falar sobre oportunidades de trabalho, o que entendeu ser uma tentativa de ele se redimir pelo que havia ocorrido. “Ele começa a falar de congresso, que seria muito legal, que eu poderia estudar, que eu poderia trabalhar com ele em projetos, tentando envolver e seduzir de uma outra maneira”, narra.
A insistência seguiu por vários e-mails, que também foram analisados pelo Intercept. Em um deles, o professor pede que o aluno chegue mais cedo para uma reunião – ao ouvir a negativa, observou que queria levá-lo a uma cantina após a conversa.
Uma outra vítima relatou um caso ocorrido em 2015, quando era aluno da graduação em Direito no Largo São Francisco. Após uma aula de Alysson, o aluno contou ter abordado o professor para comentar um assunto discutido naquele dia e que Alysson o questionou se ele não teria interesse em começar uma iniciação científica sobre o tema. Ficaram de conversar sobre o assunto e, segundo o estudante, o professor pediu que ele enviasse uma mensagem no seu e-mail pessoal para marcarem uma data.
Por e-mail, de acordo com o aluno, acertaram um encontro em um dia de semana no escritório de Alysson. Quando chegou lá, o estudante afirmou ter estranhado que o prédio parecia mais residencial do que comercial. Outras vítimas disseram ao Intercept que o escritório de Alysson é anexo à sua residência, separado apenas por um corredor, sem portas.
“Eu estava lá para falar sobre o que me interessava, que era a filosofia e eventualmente uma iniciação científica, mas ele começou a levar a conversa para um nível pessoal”, relatou. “Ele falou, por exemplo, que já tinha ficado com cinco mulheres capas da Playboy”.
O aluno disse ter informado ao professor que precisava ir embora, mas afirmou que Alysson o convidou para ver seu apartamento. Embora desconfortável, ele topou. “Eu estava numa situação que para falar não, eu teria que confrontá-lo”, explicou.
No apartamento, segundo o estudante, Alysson engatou uma conversa sobre academia, perguntando ao aluno se ele malhava e pedindo que falasse uma parte do corpo que gostava mais de exercitar. “Eu falei supino, que é treinar peitoral. Aí ele falou assim: ‘então abre dois botões da sua camisa para eu ver’”.
Segundo o aluno, essa foi a gota d’água. Então, decidiu levantar e ir embora. “Eu acho que o mínimo que você faz quando tem alguma intenção com uma pessoa é indicar sua intenção. Ele usou o papel dele de professor, desvirtuou o jogo de poder na relação, me convidou para ir pro escritório”, pontuou.
Das conversas online a encontros presenciais
Em 2020, durante a pandemia da covid-19, o grupo de pesquisa liderado por Alysson passou a ser online. Com isso, estudantes e interessados de fora de São Paulo puderam fazer parte. Foi por meio deste grupo que o professor conheceu a maior parte dos homens que o denunciam por assédio e abuso sexual.
Uma das vítimas ouvidas pelo Intercept disse que passou a integrar o grupo de pesquisa em meados de 2020. Ele relatou que já conhecia Alysson e sua obra porque havia assistido a uma palestra dele. O estudante participava do bate-papo coletivo no WhatsApp do grupo, mas também mantinha uma conversa individual com Alysson pelo aplicativo de mensagens para falar sobre textos e indicações de livros. Ele afirmou que, às vezes, fazia chamadas de vídeo com o docente.
Nessas chamadas, segundo o aluno, Alysson fazia promessas profissionais a ele. “Ele incentivava a escrita, indicava livros e prometia algumas coisas, que publicaria meu texto em sites”, contou.
O estudante disse que, depois que comentou casualmente com o professor que fazia academia, Alysson passou a pedir que ele enviasse fotos depois de treinar. Os pedidos, então, teriam escalado: o aluno relatou que Alysson passou a pedir que ele tirasse a roupa durante as chamadas de vídeo. Depois, que tirasse a cueca. Até que pediu para o estudante ficar nu. Ele ressaltou que, passada essa situação, só passou a manter contato com o professor de maneira esporádica.
Após algum tempo, o aluno disse que estava em São Paulo quando recebeu uma mensagem de Alysson perguntando se estava na capital paulista e convidando para tomar um café na casa dele. Quando chegou no apartamento do professor, contou o estudante, Alysson quis mostrar a ele as obras e gravuras que tinha. “Notei que ele já estava um pouco mais próximo, me puxando pela mão e tudo mais”, relatou.
Segundo o estudante, Alysson então o beijou forçadamente. “Na hora, minhas pernas viraram geleia, eu pensava ‘meu deus, o que aconteceu aqui e como eu saio dessa?’”, disse o aluno. Ele disse que não conseguiu reagir porque estava em modo ‘piloto automático’.
Dali, conta que Alysson o levou para a cama, onde o professor ficou nu enquanto ele permaneceu de cueca. O aluno disse que já havia avisado ao professor que tinha um compromisso e precisaria sair, então, conseguiu se esquivar. Na saída, afirmou que Alysson lhe disse que “não poderia contar a ninguém” o que havia acontecido ali.
Passados alguns meses, o estudante relata ter encontrado, por acaso, um colega do grupo de pesquisa. Quando falaram sobre Alysson, disse ele, o amigo afirmou que o professor seria um assediador e “chamava alunos para o seu apartamento”. “Foi aí que eu vi que tinha alguma coisa a mais ali, que não era só comigo”, afirmou ele.
A não reação ou ausência de um não expresso não são sinônimos de consentimento em casos de violência sexual, explicou ao Intercept a advogada Marina Ganzarolli, presidente da MeToo Brasil, organização brasileira fundada em 2019 que atua na defesa dos direitos das vítimas de violência sexual.
“É muito comum essa reação de congelamento ou uma não reação, isso é super esperado e biologicamente justificável por meio da compreensão científica que temos da neurobiologia do trauma”, pontua.
“Em especial quando há dinâmicas de poder envolvidas, temos também que considerar que, muitas vezes, a hierarquia existente entre o autor da agressão, o predador sexual, o abusador e a vítima influenciam muito a reação e o pós-trauma para essa vítima em relação ao medo de represálias, ameaça, desconfiança e a falta de confiança no sistema”, acrescenta. Ganzarolli não comentou os casos específicos narrados nesta reportagem.
Reverências ao ‘mestre’
Outro aluno de Alysson relata ao Intercept que o professor o beijou à força quando foi ao apartamento do docente discutir um projeto de pesquisa. Ele disse que havia conhecido Alysson em uma palestra e, em 2022, entrou para o grupo de pesquisa. Foi a partir disso que estabeleceu um contato com o educador e, segundo ele, passou a ser chamado para assistir como convidado a aulas no Largo São Francisco.
O estudante afirmou que, certo dia, Alysson o convidou para ir à casa dele discutir seu projeto. “A minha intuição era que ele pudesse me dar algumas dicas, algumas observações e sugestões acerca do meu projeto de pesquisa”, contou. “Fui com uma mochila, alguns livros que estava interessado em mostrar a ele para ver se estava no caminho certo”.
Quando chegou ao apartamento, relatou o aluno, Alysson o esperava na saída do elevador, deu-lhe um abraço forte e já tentou beijá-lo. “Daí eu me esquivava, tentava não abrir a boca, mas fiquei paralisado com aquela cena porque a porta estava fechada, eu já estava dentro da casa dele, ele é mais alto do que eu”, afirmou ao Intercept.
Em seguida, relatou o estudante, ambos começaram a conversar sobre o projeto de pesquisa, mas Alysson falava de maneira muito rasa e genérica. “Naquele momento, eu estava pensando em como sair dali sem causar algum problema maior pra mim”.
Ele contou que, quando saiu na varanda do apartamento para fumar um cigarro, o professor veio atrás, abraçou-o forte e, novamente, tentou beijá-lo à força. Mais uma vez, o aluno relatou ter ficado paralisado, em choque.
Disse que conseguiu se desvencilhar quando falou que estava tarde e precisava ir. Antes de sair, afirmou ter ouvido de Alysson que teria de referir a ele como “mestre”, “como se fosse uma relação de Sócrates com Platão”.
O aluno relata que a experiência – e a dificuldade de falar com outros sobre ela – o deixou profundamente traumatizado. Meses depois do ocorrido com o professor, ele foi prestar prova de mestrado em uma universidade distante de São Paulo. Tudo deu errado: ele chegou atrasado, perdeu tempo de prova, rasurou o documento. “Eu fiquei muito nervoso com aquilo, tinha muita pressão que estava acumulando em mim. Eu cheguei até a fazer mal para mim nesse dia”, diz.
“Tem uma influência do que ocorreu, desse trauma que virou e da maneira que foi inculcado em mim”, conta. “E não porque eu quis, mas porque teve toda a ação dele, compulsiva, até perversa que criou tudo isso”.
Um relato semelhante é contado por outro aluno. Seu primeiro contato presencial com Alysson foi em um lançamento de livro fora da cidade de São Paulo. Depois do evento, segundo ele, o professor foi jantar com um grupo de pessoas, dentre os quais o estudante. Na saída do jantar, relatou o aluno, o docente o chamou para acompanhá-lo ao seu hotel e, momentos mais tarde, subir com ele ao quarto. O estudante recusou.
Algum tempo se passou e, no início de 2024, este mesmo aluno foi a São Paulo e, na ocasião, marcou de conversar com o professor sobre um projeto de pesquisa. Ele relatou que, superficialmente, Alysson também falava sobre publicar algum texto sobre um autor específico que o aluno estudava.
O encontro no apartamento de Alysson, segundo o estudante, durou cerca de quatro horas. “Durante três horas, ele ficou falando de outras coisas, dando voltas na casa dele, mostrando coisas”, disse. Ele relatou que Alysson falava da relação mestre e pupilo e de como deveria ser chamado de “mestre”, fazendo mais uma vez referências à filosofia grega. “Ele puxava umas coisas totalmente fora de contexto, falando coisas do tipo ‘na Grécia, os homens transavam entre si, e não eram menos homens por isso’”, afirmou.
Naquele dia, o estudante relatou que Alysson o beijou à força. Também disse que conseguiu se desvencilhar dizendo que precisava sair porque alguém o esperava. “Mas ele forçava a barra no sentido de pedir que eu falasse que o amava”, destacou.
Pedidos inesperados durante chamadas de vídeo
Outra vítima relatou ter conhecido Alysson em 2022 por intermédio de um amigo que era parte do grupo de estudos. Por não morar em São Paulo, começou a realizar chamadas de vídeo com o professor para discutir temas de pesquisa e ideias de projeto. Afirmou que, às vezes, trocavam mensagens de texto. “Me chamava atenção que, nas conversas ele pedia para eu acordar e dizer coisas como ‘bom dia, mestre, estou de pau duro’”, relatou.
O estudante ainda contou que a maior parte dos contatos com Alysson se dava por chamada de vídeos. Em uma dessas chamadas, segundo o aluno, o professor pediu que tirasse a camisa e “mostrasse seus músculos”.
Ele disse ter achado estranho, mas pensou que havia alguma influência da teoria marxista naquele comportamento, já que disse ter ouvido de Alysson sobre teóricos que defendiam amar outros homens e que falavam sobre liberdade dos corpos. “[Eu pensava] é só um cara que está tentando ter uma relação mais íntima de mestre e discípulo, porque era um cara muito grande, e que estava prestando atenção em mim”, contou.
Mas, segundo o estudante, os pedidos foram além. Ele disse que, em uma dessas chamadas de vídeo, Alysson lhe pediu que mostrasse sua bunda. “Eu mostrei, muito rápido, muito sem graça”, contou. Depois disso, o aluno relatou ter parado com as chamadas de vídeo e passou a manter contato com o docente por e-mail. Mas pontuou que o professor insistia para que ele fosse a São Paulo visitá-lo, o que nunca ocorreu.
Tentativas recentes e um pedido à USP
Dois relatos ouvidos pelo Intercept, de alunos que estão atualmente na graduação ou pós-graduação em Direito da USP, indicam a existência de casos recentes envolvendo o comportamento de Alysson — em um deles, o incômodo dos estudantes foi manifestado publicamente.
No outro caso, um estudante da graduação relatou que, após uma prova da disciplina de Alysson no início de 2022, encontrou o professor no corredor da faculdade. O aluno contou que ambos já haviam se conhecido em outra ocasião na universidade, quando ficaram conversando após uma aula.
Naquele primeiro dia, relatou o estudante, Alysson compartilhou seu e-mail pessoal para manterem contato. Ele enviou uma mensagem e, na resposta, à qual o Intercept teve acesso, o professor respondeu que o aluno poderia contar com ele em São Paulo. O estudante, que não era da capital, disse que se sentiu acolhido com a mensagem, ainda mais porque sentia um certo isolamento na universidade por ter iniciado a sua graduação durante a pandemia.
Na saída da prova, já em 2022, o aluno relatou que Alysson pediu a ele que enviasse uma mensagem via WhatsApp para que pudesse salvar seu contato e, dali em diante, se falariam pelo aplicativo. Também marcaram, segundo o estudante, um café no domingo seguinte no apartamento do professor. No dia, o aluno disse ter perguntado se não era melhor que fossem a um bar, mas afirmou que Alysson insistiu para que o encontro fosse em seu apartamento.
Quando chegou lá, contou ele, o professor vestia um terno. Quando Alysson levou o aluno para ver a varanda do apartamento, ele afirmou que sentiu um toque estranho em seu braço. “Eu já fiquei com o pé atrás”. Depois, disse que foram para o sofá, na sala do apartamento, e Alysson iniciou uma conversa sobre sexualidade, comentando relações que teria tido. De acordo com o estudante, o professor falou também sobre o tamanho de seu pênis e que consumia pornografia.
O aluno relatou que aproveitou o momento para contar ao professor que tinha uma namorada em sua cidade-natal. “Na hora que eu falei isso, o brilho dele foi lá embaixo. Parecia que ele tinha perdido qualquer paciência”, disse ao Intercept.
Ele pontuou que toda a conversa sobre sexualidade e prazeres foi o contexto para que, ao fim de seu raciocínio, Alysson levantasse e fosse até o sofá onde o aluno estava para abraçá-lo. Segundo o estudante, ele havia comentado que precisava ir embora, pois estava ficando tarde, quando o professor foi abraçá-lo.
“Ele começou a não me largar. Não soltava. Até que começou a roçar em mim, a se esfregar. Primeiro com a parte íntima dele encostando em mim e, depois, com a barba vindo aqui [no pescoço] e eu batendo nas costas dele para ele soltar”, disse o aluno. Na saída, ele afirmou que o professor ainda teria mencionado um colega seu e dito: “chama seu amigo para vir aqui porque ele é da putaria”.
Em nota, professor afirmou que “vem sendo vítima de crime cibernético, sofrendo um processo de perseguição” por pessoas que por meio de anonimato “vêm buscando atacá-lo em sua honra”.
No caminho de volta para a casa, o estudante relatou que sentia um misto de alívio, por não ter acontecido algo mais grave, com decepção. “Eu tinha aquela expectativa de alguém que realmente pudesse contribuir para a minha vida aqui em São Paulo. Você espera isso de um professor, né?”, ressaltou.
O aluno relatou que ficou com medo de ser reprovado na disciplina do professor após o ocorrido, o que poderia afetar não só sua média como também sua perspectiva de ingressar em oportunidades como intercâmbios e orientações.
E afirmou que este foi, também, um fator que influenciou na sua decisão de não denunciá-lo formalmente. Recentemente, o estudante disse que contou para um psicólogo vinculado ao Ecos, um programa de saúde mental da USP, sobre ter sido assediado por Alysson.
Ele disse que, depois do ocorrido, voltou a ver o professor pelo corredor da universidade. “Aí ficou nítido para mim a repetição daquilo. Às quintas-feiras, se você for na universidade e parar para olhar, ele está abraçando algum aluno. Depois de mim, eu vi ele abraçando um cara lá, super gente boa”. Ao ver a cena, disse ter pensado que ele seria “o próximo”.
Enquanto o Intercept conduzia essa apuração, houve outra ruptura que não teve ligação com a reportagem. Em 20 de novembro, outro estudante de pós-graduação pediu a renúncia de sua orientação com Alysson em um e-mail enviado ao professor com cópia para outros coordenadores do grupo de pesquisa.
Na mensagem, obtida pelo Intercept, ele fala sobre os comportamentos inadequados do professor. Naquele mesmo dia, porém, o grupo de WhatsApp do grupo de pesquisa foi fechado para comentários e, desde então, apenas três administradores podem enviar mensagens.
O Intercept enviou uma lista de 11 perguntas à Faculdade de Direito da USP questionando se já havia recebido denúncias de assédio ou abuso sexual por parte de Alysson e, em caso positivo, quais medidas foram adotadas. Também perguntamos sobre como a USP atua para moderar, monitorar ou acompanhar a condução de grupos de pesquisa, como os liderados pelo professor, para garantir um ambiente seguro e saudável.
Questionamos, ainda, que canais existem para denúncias e que providências a universidade toma em relação a elas. Outra pergunta foi a respeito dos procedimentos que a universidade adota para acolher vítimas de assédio e abuso sexual, incluindo o anonimato das vítimas e a garantia de que os alunos serão protegidos. Por fim, pedimos uma posição sobre o caso relatado por uma das vítimas, estudante de pós-graduação, que pediu a renúncia de sua orientação com Alysson via e-mail.
Por meio da assessoria de imprensa, a Faculdade de Direito da USP não respondeu aos questionamentos. Apenas informou que “não foi formalmente informada” e que “o recebimento formal de notícias sobre a prática, em tese, de qualquer conduta ilícita, implicará a instauração do devido procedimento administrativo apuratório”.
No mesmo dia em que o estudante pediu renúncia da orientação, o perfil de Alysson no Instagram publicou uma nota em que diz que o professor “vem sendo vítima de crime cibernético, sofrendo um processo de perseguição” por pessoas que por meio de anonimato no meio virtual “vêm buscando atacá-lo em sua honra”.
A nota cita que foram tomadas medidas legais junto às autoridades públicas “com vistas à responsabilização dos seus agentes”. Desde esta postagem, os comentários em postagens no perfil de Alysson no Instagram foram limitados.
Na sexta-feira, 29, Mascaro publicou um vídeo em que afirma que está sendo vítima de uma campanha de perseguição e intimidação nas redes sociais. Poucas horas antes da publicação deste texto, o jornal Brasil247 reportou que a campanha utilizaria “acusações de natureza sexual”, que visariam “não apenas destruir minha reputação, mas também me calar”, segundo Mascaro.
Pelo menos três das vítimas disseram que o abuso que relatam ter sofrido mudou as trajetórias que planejavam para suas carreiras. Eles pretendiam aplicar para fazer pós-graduação no Departamento de Filosofia do Direito da USP, mas desistiram.
“Eu tinha muito bem estabelecido na minha cabeça que eu ia me formar, ia prestar USP e ia fazer pós com o Alysson Mascaro. Ia ser orientando dele e ia participar dos eventos, ia debater teoria marxista, ética. Depois que aconteceu, eu simplesmente falei assim: não dá para conviver com uma pessoa daquele jeito”, relata uma delas.
Atualização: 3 de dezembro de 2024, 15h10 O texto foi atualizado para incluir o posicionamento da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
e o Brasil247 conseguiu ser o pior jornal do Brasil, conseguiu ser pior q a Folha e o Estadão, diria até q a Revista Oeste e a Gazeta do Povo. Parabéns ao imbecil do Leonardo Attuch. (pra quem não viu, o Brasil247 publicou um artigo defendendo o alysson mascaro falando q as acusações sao um ataque à ele, pq as fontes sao anonimas; fontes anônimas são meio q um padrão no jornalismo investigativo, a necessidade de ter fontes é pra quem tem poder de apurar e punir né?).
fora q a qtd de pessoas q falaram q “finalmente saiu uma denúncia contra ele”, é bizarra. O cara tava impune faz mt tempo. Gnt q nem estudou com ele, mas conhecia ele por outros meios, já tá lgd dessa merda.
Isso é bem verdade. Não fiz direito pela USP, mas conheci um amigo que esteve no grupo de pesquisa do Mascaro e o fato de ele ser um tarado esquisitão era um segredo aberto. Já sabia de alguns dos relatos da reportagem e nunca vi o homem