O presidente do Equador, Daniel Noboa, nomeou nesta segunda-feira (11) a ministra do Planejamento, Sariha Moya, como vice-presidente interina. Ela vai substituir Verónica Abad, que deixou o cargo acusada de abandonar suas funções. A troca na vice-presidência faz parte de uma crise política que começou logo após a posse do mandatário, em novembro de 2023.
O governo disse que está amparado pelo artigo 150 da Constituição para fazer a troca. O trecho da Carta Magna determina que “em caso de ausência temporária de quem exerce a vice-presidência da República, corresponderá a substituição da ministra ou do ministro de Estado designado pela Presidência da República”. Abad estava como embaixadora do Equador em Israel. Com o aumento dos conflitos com o Líbano, a representação diplomática foi transferida para a Turquia.
De acordo com o Ministério do Trabalho, Abad deveria ter se apresentado à embaixada do Equador em Ancara em 1º de setembro. Ela, no entanto, só chegou à Turquia cinco dias depois. O afastamento da vice foi anunciado no sábado (9). Segundo o ministério, a vice cometeu uma “falta grave”. Em comunicado, a presidência afirmou que a nova vice “mostrou uma trajetória exemplar no serviço público, com uma sólida formação na gestão pública e um profundo compromisso com o bem-estar de todos os equatorianos”.
A vice, no entanto, contestou a decisão. Segundo Abad, Noboa decidiu afastá-la das funções para impedir que ela assumisse a presidência durante a campanha eleitoral, que terá início em janeiro de 2025. Ela justificou o atraso afirmando que a viagem para a Turquia “não estava preparada” e disse que Noboa quer dar um golpe para garantir a reeleição. O presidente será candidato a um novo mandato nas próximas eleições, com primeiro turno marcado para 9 de fevereiro.
“Depois de tantos ataques contra mim por parte do presidente Daniel Noboa e dos seus ministros, denuncio que mais uma vez cometeram uma grave violação da Constituição e das leis equatorianas com um processo administrativo não aplicável a funcionários eleitos nas urnas. O presidente prepara um golpe de Estado para assegurar a reeleição”, disse Abad.
Ela afirma que foi considerada “uma violação não cometida e sem nenhuma prova, com o único objetivo de que eu não assuma a Presidência do Equador”.
Especialistas equatorianos questionam a decisão de Noboa por violar a Constituição para o afastamento de uma pessoa eleita. Segundo a legislação do país, é preciso que o afastamento seja julgado pelo Congresso.
Para o sociólogo e professor do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador Daniel Pontón, essa tese deve ser discutida, já que a decisão não tem precedente. Para ele, o argumento da Abad faz sentido porque há um “claro interesse político” de evitar que ela assuma, pelo histórico da relação entre os dois.
“Há uma guerra declarada entre os dois. A campanha presidencial começa em janeiro e ele tem que deixar o cargo de presidente e a vice assume. Para evitar isso, ele abriu um procedimento administrativo e a suspendeu das atividades. É uma medida extremamente questionável e muita gente inclusive levanta a legalidade disso. A intenção dele é justamente não dar a presidência para ela por essa clara briga”, disse ao Brasil de Fato.
Noboa deve disputar a reeleição tendo María José Pinto, atual secretária do programa governamental contra a desnutrição infantil, como vice. Segundo a lei equatoriana, o vice em exercício assume enquanto o presidente faz campanha pela reeleição.
O atual presidente é filho de dois políticos conhecidos no Equador: Alvaro Noboa, um dos homens mais ricos do país e candidato presidencial em cinco ocasiões, e Anabella Azín, médica, deputada e legisladora da última constituinte, em 2007. É empresário e foi eleito pela primeira vez em 2021, para o cargo de deputado. Defende uma plataforma liberal e propõe administrar o país com a participação do setor privado.
Começou mal, terminou mal
A disputa entre os dois se deu desde o começo da gestão de Noboa. Eles foram eleitos na mesma chapa e, logo depois da posse, ela foi enviada para a embaixada equatoriana em Israel. Na época, Abad não escondeu sua insatisfação com a medida e chegou a afirmar que Noboa queria que ela se mantivesse “longe do governo”.
Abad também já havia sido acusada pela procuradoria por ter feito campanha eleitoral antecipada quando era candidata a prefeita da cidade de Cuenca, a terceira maior do país. Ela foi multada pelo Tribunal Contencioso Eleitoral do país a pagar 8.500 dólares (R$ 49 mil, aproximadamente).
Noboa justificou o envio de Abad como uma missão importante para mediar o conflito na Faixa de Gaza. Segundo a cientista politica equatoriana Irene León, a explicação surpreendeu na época pelo contexto. Ela explica que os dois vêm de linhas políticas diferentes e, desde antes da gestão, já houve uma aparente ruptura.
“Ela vem da extrema direita, se associou a essas iniciativas impulsionadas pelo Vox, da Espanha, e chegou ao poder junto com Noboa. O envio dela para Israel, com a justificativa de fortalecer a paz no Oriente Médio, surpreendeu porque o Equador não tem essa força de mediação naquela região. Então ela foi afastada da gestão presidencial e foi acusada de ter violado a lei eleitoral e de faltar ao trabalho. Essa é uma mobilização para tirá-la do poder”, afirmou ao Brasil de Fato.
Verónica Abad foi diretora do grupo liberal Movimento Amigo, sigla pela qual foi candidata em Cuenca. Em entrevistas, a vice sempre afirmou que não era uma política e que estava ligada aos debates sobre empreendedorismo.
Na semana passada, ela denunciou Noboa e três funcionários do governo por terem cometido “atos de violência política com base no gênero”.
De acordo com Irene León, o afastamento de Abad indica uma violação constitucional e ainda levanta questionamentos pela origem do racha entre Noboa e sua antiga vice.
“É uma inimizade muito potente que ninguém sabe a origem. Também não está claro porque Noboa se recusa a deixar a sucessão presidencial no momento da campanha, que está definido por lei. Essa nova vice ninguém conhece, acaba sendo uma forma de colocar uma pessoa pela qual ele não se sente ameaçado e aponta para uma violação constitucional”, disse.
Edição: Nicolau Soares