A Justiça britânica começa nesta segunda (21) o julgamento que definirá se a mineradora anglo-australiana BHP Billiton é responsável pela tragédia do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015. O processo ocorre desde 2018 e deve durar até 5 de março de 2025.

Os atingidos, incluindo municípios, comunidades indígenas, igrejas e empresas, reivindicam cerca de R$ 230 bilhões em indenizações.

O rompimento da barragem aconteceu em 5 de novembro de 2015 e liberou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerais altamente poluentes. A lama percorreu 650 quilômetros pelo Rio Doce, atingiu o Atlântico, devastou localidades, matou 19 pessoas e deixou mais de 600 pessoas desabrigadas.

A defesa das vítimas vai alegar que a BHP tinha conhecimento dos riscos de rompimento da barragem e, como acionista da Samarco, deve responder pelos danos causados. A BHP está no alvo do processo por ser coproprietária, ao lado do grupo brasileiro Vale, da mineradora brasileira Samarco, que administra a barragem.

Na época da tragédia, a BHP tinha duas sedes globais, uma delas em Londres, que a empresa não mantém mais, e outra na Austrália, onde está registrado seu domicílio atualmente.

Em julho, BHP e Vale concordaram em pagar cada uma 50% das eventuais indenizações nos processos abertos no Brasil, Austrália, Países Baixos e Reino Unido. Na prática, as mineradoras vão dividir igualmente entre si os valores a serem pagos.

Em Londres, o escritório de advocacia Pogust Goodhead (PG) vai representar 620 mil pessoas, 46 municípios e 1.500 empresas atingidas pelo rompimento da barragem, no processo que corre na Corte de Tecnologia e Construção da capital britânica.

A equipe do PG acredita que a BHP seja civilmente responsável pelo colapso objetiva e subjetivamente, por ação ou omissão voluntária, e que deve responder pelos danos causados na qualidade de acionista controladora.

Ainda segundo o PG, é possível alegar que a BHP tinha conhecimento dos riscos do rompimento da barragem devido a fatores como a participação de executivos da empresa nas reuniões do conselho e de comitês da Samarco, a aprovação e financiamento de projetos relevantes de sua controlada no Brasil e de auditorias constantes na joint-venture.

Além disso, declarações feitas por executivos da BHP após o desastre mostrariam que a empresa já havia identificado o risco em Mariana e havia recebido, inclusive, um laudo técnico que apontava um possível rompimento da barragem.

A base legal do julgamento será o direito brasileiro, amparada nas legislações ambiental e civil do Brasil, apesar de o processo correr em um tribunal britânico.

“Embora as leis processuais sejam as sejam as leis inglesas, a lei material, com relação à responsabilização e a quantificação do dano, é brasileira. Isso é muito interessante porque proporciona um exercício de soberania da legislação brasileira. A lei deve ser obedecida por qualquer parte mesmo por multinacionais que operam no Brasil e que repatriam os seus lucros para fora do Brasil”, explica a porta-voz do escritório, Ana Carolina Salomão.

Depoimentos

De acordo com a diretora jurídica do escritório, Caroline Narvaez, as audiências do julgamento começarão nesta segunda (21) com as declarações iniciais dos advogados de ambas as partes. A juíza responsável, Finola O’Farrell, já está lendo os documentos enviados pelas partes.

Essa primeira fase das audiências deve durar quatro dias. Nas três semanas seguintes, serão ouvidas as testemunhas da BHP, quando tanto a empresa quanto o escritório de advocacia poderão dirigir perguntas sobre questões como o nível de controle que a BHP tinha sobre barragem, sua segurança e sua conduta após o colapso.

O passo seguinte será a oportunidade de especialistas em direito ambiental, societário e de responsabilidade civil, convidados tanto pela BHP quanto pelo PG, explicarem à juíza britânica como funcionam as leis brasileiras.

“A juíza está acostumada a lidar com casos internacionais, nos quais se aplica o processo inglês, mas ela não conhece e nem deveria conhecer o direito brasileiro. O papel desses especialistas brasileiros é justamente explicar como funciona a lei no Brasil, como se aplicam as regras de responsabilidade civil, ambiental, corporativa no Brasil”, explica Caroline.

Depois de um recesso de fim de ano, as audiências serão retomadas por quatro dias em janeiro, com a oitiva de especialistas na área de geotecnia, que poderão explicar à juíza britânica detalhes técnicos relativos ao incidente.

As audiências se encerram com a sustentação oral dos advogados dos autores da ação e da BHP, o que deve ocorrer entre 24 de fevereiro e 5 de março. A previsão é que a juíza leve até três meses para divulgar sua decisão.

Nessa fase do processo, ainda não há definição de valores de indenizações, o que só deve ocorrer posteriormente, caso a BHP seja responsabilizada, mas a equipe do PG estima que os valores a serem pagos às vítimas do rompimento girem em torno de R$ 230 bilhões.