Numa Salvador inundada por uma tsunami, quando a inteligência artificial suprimiu a memória social e em um mundo com eminentes pandemias, um menino negro encontra na espiritualidade ancestral uma via de salvação. Essa é a história contada por Kairu-Edé – guerreiro fantasma, primeiro livro do quadrinista soteropolitano Darwiz Bagdeve.
A HQ será lançada esta semana em três eventos diferentes: nos dias 14 e 15, nos Polos Criativos Boca de Brasa, no Centro Comunitário Mãe Carmem do Gantois e na Sede do Malê Debalê, em Itapuã; e no dia 17, na Sala de Arte do Cinema do Museu, no Corredor da Vitória. Em entrevista ao Brasil de Fato Bahia, Darwiz Bagdeve conta mais sobre a obra e sua trajetória.
Darwiz Bagdeve, te agradeço por aceitar esse convite. Queria te pedir para começar essa conversa se apresentando: quem é Darwiz Bagdeve?
Darwiz Bagdeve é um homem cis, preto de descendência árabe, pai de uma linda menina, companheiro, filho, professor de inglês… Que por acaso decidiu aos 9 anos de idade que seria quadrinista quando crescesse. E aqui estamos!
Kairu-Edé é o seu primeiro livro publicado, mas a sua trajetória de quadrinista não começa aqui, né?! Poderia contar pra gente um pouco desse percurso?
Sim! Comecei minha trajetória de quadrinhos após ganhar pela terceira vez o concurso 24 Horas de Quadrinhos que era sediado pela Galeria RV Cultura e Arte daqui de Salvador. Aquilo me deu a autoestima que eu precisava pra criar um [perfil no] Instagram em 2017. Comecei a escrever então a “Dango Tirinhas”, uma série que conta a história de Daniélio Goldano, um menino que, assim como eu, quer se tornar quadrinista. Por algum motivo misterioso que nem eu entendo, decidi começar a escrever a história do Dango pela infância da mãe dele, Lucília, uma garotinha de orfanato que é adotada por André e Eduardo, um casal LGBTQ+.
E quem é Kairu-Edé, o guerreiro fantasma? Qual a história que ele nos conta?
Dentre os vários temas sobre mudanças climáticas, governos colonizadores, tecnologia nocivas e guerra às drogas, a principal mensagem de Kairu é sobre como a noção de identidade pode nos dar a esperança para sobreviver a cenários desanimadores. No início, Kairu não faz ideia de quem ele é, nem o que significa ser nordestino dentro do cenário que tanto trata seu povo como lixo. Quando ele recebe o contexto de seu nome através de uma iniciação espiritual guiada por Exu, a perspectiva dele muda completamente. O Guerreiro Fantasma atua como uma espécie de “anjo da guarda”, protegendo todos do plano terrestre lá do plano espiritual. Mas é só um adolescente realizando uma porção de descobertas de explodir a cabeça! Espero trazer esse sentimento divisor de águas pra quem for ler!
O projeto foi contemplado em um edital público, né?! Você acredita que esse tipo de incentivo do Estado pode contribuir para uma maior democratização do que é publicado na Bahia e no Brasil?
Poxa, com certeza! Os preços dos livros atualmente estão bastante altos e isso em competição com outros itens necessários do dia a dia desanima muito em adquirir leitura. Fica como um luxo pra poucos. A parte principal de nosso projeto, escrito pelas produtoras Ojú Odé Produções e Obá Cauê Produções, é de que dos 1000 livros impressos 600 seriam distribuídos para o público e para escolas convidadas em eventos de lançamento. Saber que meu livro será impresso e distribuído para tanta gente ter o alcance gratuito dele é a definição de um sonho de leitor e escritor se tornando realidade. Sou eternamente grato por minhas produtoras terem possibilitado isso!! E claro, à influência de Paulo Gustavo em todos os setores da cultura cativando e motivando nossos agentes culturais a materializar projetos!
Como você percebe a relação do mercado editorial com os quadrinhos/arte sequencial/mangás?
Bom, aqui eu posso ser um pouco duro. E não quero ser injusto, pois vejo cada vez mais algumas editoras investindo em produtos nacionais, como é o caso da JBC, e espero que a tendência siga em frente. Mas a real é que o mercado tem preferência por produções estrangeiras de sucesso, tornando o avanço do brasileiro um enorme desafio. Há quem lance livros por aí narrando a dificuldade que é (risos)! A gente luta pra ter nossa profissão reconhecida, nossas histórias e mensagens passadas adiante, mas o mercado nos avalia com critérios que não necessariamente pautam a qualidade de nosso material, mas sim o valor do lucro através dele. Alguém conhece esse artista? Ele é popular? Quantos títulos já escritos ele possui? Em quantos países ele já publicou? Fora a ótica que muitas vezes prestigia mais autores homens do que mulheres, mais brancos do que pretos. É necessário uma boa reforma pra alterarmos essa visão, pois literatura transforma a cultura de um povo! Falta no mercado brasileiro mais vaidade em se embelezar consigo próprio e menos com importados.