A Coalizão Negra por Direitos lançou, na noite de terça-feira (16), em Brasília (DF), a campanha Quilombo nos Parlamentos - Eleições 2024. A ação busca ampliar a presença de pessoas negras nos parlamentos, comprometidas com a agenda do movimento negro, e com as lutas por justiça racial, de gênero, climática e econômica.

De acordo com a organização, em 2022, a iniciativa apoiou 144 candidaturas do movimento negro, que receberam mais de 4 milhões de votos, ou seja, 3,46% dos votos válidos. Destas, 29 foram eleitas para cargos legislativos federais e estaduais, o que representou 20% do total de candidaturas comprometidas com a agenda da Coalizão.

Mariana Andrade, da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal, uma das mais de 290 organizações que compõem a Coalizão Negra por Direitos, comenta que, em 2024, a campanha chega com uma estratégia renovada e com a expectativa de resultados ainda melhores do que os alcançados em 2022.

“Agora a gente vem entendendo um novo cenário, uma nova conjuntura, nova lei, e tudo isso que tem acontecido”, afirmou. “A expectativa da campanha é que a gente tenha mais pessoas apoiadas. A gente tem várias organizações na Coalizão Negra por Direitos fazendo o trabalho de acompanhar frontalmente as campanhas e, obviamente que, lá na frente, como resultado, a gente deve ter mais pessoas negras comprometidas com as nossas pautas”, avalia.

A diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, Lígia Batista, lembrou que essas serão as primeiras eleições municipais, desde o assassinato da vereadora carioca, sob vigência da lei de combate à violência política de gênero (Lei 14.192/2021), aprovada em 2021. E cobrou o compromisso dos partidos, principalmente do campo da esquerda, com o enfrentamento do tema no interior das agremiações.

“Sem um enfrentamento à violência política, de gênero e de raça, sem um movimento de mudança de cultura política, a gente não consegue efetivamente produzir soluções para o futuro. Então é fundamental que esse também seja um momento para que a gente veja um compromisso com o enfrentamento à violência política na ordem do dia, na reflexão sobre como os estatutos dos partidos se estabelecem”, defendeu.

PEC da anistia

Tema presente nos debates durante o evento de lançamento da campanha Quilombo nos Parlamentos foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9, conhecida como a “PEC da anistia”, que libera de multas partidos que não cumpriram as cotas de gênero e raça nas eleições.

Segundo os movimentos sociais, a PEC que tramita no Congresso invalida uma série de conquistas, resultado da luta de setores sociais por maior participação nos espaços políticos, explica Ingrid Farias, integrante da coordenação da Coalizão Negra por Direitos.

“Essa PEC ataca diretamente esse direito que foi conquistado, de acesso a cotas, de acesso ao fundo partidário, tempo de TV e tantas outras garantias previstas ao longo dos anos com a luta da população negra, das mulheres, do povo indígena”, avalia.

Além disso, a medida representaria um forte impacto financeiro para o Estado, já que o perdão das dívidas dos partidos irregulares pode chegar a R$ 23 bilhões em recursos públicos.

"A gente está falando do maior fundo eleitoral da história do Brasil. São mais de R$ 4 bilhões destinados diretamente para os partidos fazerem o que quiserem com esse dinheiro. Isso não pode acontecer. Esse dinheiro, que é público, que vem dos cofres públicos, de, nós, contribuintes, precisa ser regulado. Os partidos não podem distribuir isso ao seu bel-prazer, como quiserem”, afirmou Farias, que ainda cobrou das instituições de controle e fiscalização que façam seu trabalho em relação às possíveis fraudes no uso dos recursos.

A socióloga baiana e reconhecida ativista pelos direitos da população negra Vilma Reis, presente no debate, usou palavras da filósofa e escritora Sueli Carneiro para denunciar o caráter racista da PEC. “A PEC 09 é racismo em estado puro. É a baba do racismo escorrendo pelas paredes do Congresso Nacional”, afirmou.

Reis defendeu que, caso a proposta seja aprovada pelo Congresso, ela deva ser questionada judicialmente pelas organizações do movimento negro. “Nós estamos em Brasília e a gente não veio aqui para dar voltinha. Onde a gente pisar vai ter desobediência ao racismo, à misoginia, à LGBTfobia. E desobediência a essa lei e a essa ação absurda de desarticular as lideranças negras que têm feito um esforço muito grande para ocupar os espaços de poder. Nós não estamos aqui para fazer papel de manso, papel de gente obediente. O que nos mantém vivas é exatamente a desobediência ao racismo”, declarou.

Manifesto

As organizações da Coalizão Negra por Direitos divulgaram um manifesto com uma apresentação da campanha, suas diretrizes e as principais linhas de atuação para as eleições municipais deste ano.

De acordo com o texto, trata-se de uma “iniciativa suprapartidária” que tem como centralidade o debate racial e busca ampliar a “representatividade de pessoas negras do campo progressista” nos espaços de decisão política.

“Apresentamos para a sociedade candidaturas negras comprometidas integralmente com o avanço da luta contra o racismo e contra todas as outras formas de discriminação, com a promoção da cidadania e bem-estar social para superação das desigualdades e a efetivação de liberdades e direitos”, diz o texto.

O manifesto afirma ainda que, para além da ampliação da representação negra nos espaços de decisão, a campanha busca “garantir que as pautas do movimento negro relativas à justiça racial, social e de gênero – refletidas na agenda da Coalizão Negra por Direitos - tenham defensores nas Câmaras Municipais e Prefeituras”.

“Ou seja, não se trata apenas de obter paridade racial, mas de eleger pessoas com histórico de comprometimento com o combate às desigualdades e ao racismo e com a construção de um outro projeto de país democrático”, destaca o documento.

Recomendações

A Coalizão Negra por Direitos divulgou ainda seis recomendações aos partidos políticos, ao sistema de Justiça e às organizações da sociedade civil comprometidas com a pauta do movimento negro no Brasil.

Entre elas, a criação de Comissões Permanentes de Heteroidentificação na Justiça Eleitoral Regional, o estabelecimento de canais e fluxo de recebimento de denúncias, assim como a abertura de processos investigativos contra quem pratique atos de violência política de gênero e raça no país. Heteroidentificação é um procedimento que complementa autodeclaração e consiste na percepção de outras pessoas sobre a autoidentificação étnico-racial.

Outra recomendação é a promoção de campanhas para o enfrentamento à violência política de gênero e raça contra mulheres cis, trans e travestis. O movimento defende ainda uma atuação pelo efetivo funcionamento da legislação de enfrentamento à violência política, racial e de gênero e a adequação do estatuto partidário ao disposto na Lei 14.192/2021, estabelecendo mecanismos para prevenção e enfrentamento da violência política no interior dos partidos.

Finalmente, a Coalizão cobra das instituições da Justiça Eleitoral atuarem pelo cumprimento da distribuição equitativa de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral em TV e rádio para candidaturas negras.