Com a trilha sonora dos ataques à vice-Presidenta Francia Márquez, ocorridos em Timba, no sul-ocidente da Colômbia, Salvatore Mancuso, o ex-chefe paramilitar mais sanguinário da guerra contra insurgente dos anos 1980 e 90, recuperou hoje sua liberdade, após pagar uma condenação de 15 anos nos Estados Unidos e passar os últimos quatro meses na prisão La Picota desta capital.
Enquanto Mancuso punha seus pés nas ruas, duas caminhonetes do esquema de segurança da vice-Presidenta recebiam rajadas de fuzis de assalto que atravessaram a parte frontal dos veículos. Porta-vozes da polícia metropolitana de Cali, a cidade grande mais próxima do lugar do atentado, disseram que não houve pessoas feridas e que a alta funcionária não ia na caravana.
“Desta vez não temos muito o que lamentar, mas reitero minha enorme preocupação pelo departamento do Cauca e pela tensão permanente que está vivendo minha gente todos os dias em toda a região”, comentou no X (antigo Twitter) a vice-presidenta, cujo pai foi vítima de atentado similar em 16 de junho.
Elites temem revelações de Salvatore Mancuso
Com mais de 4 mil acusações por ações criminosas, Mancuso poderá começar a atuar como gestor de paz, cargo que lhe foi oferecido pelo presidente Gustavo Petro com o intuito – argumentou – de que o país conheça a fundo a tragédia humanitária que viveu por mais de 30 anos, quando o presidente Álvaro Uribe (2002-2010) implementou a política de segurança democrática.
Desde que foi anunciado, no ano passado, o retorno de Mancuso à Colômbia, as forças políticas mais conservadoras, assim como os caciques regionais e não poucos empresários, demonstraram preocupação com o que o homem, a quem entregaram boa parte do trabalho sujo para acabar com as guerrilhas, possa dizer: massacres de milhares de camponeses, deslocamento forçado de milhões de pessoas e assassinatos seletivos.
De fato, Mancuso já revelou detalhes de suas reuniões com Uribe, então governador de Antioquia, para planejar a estratégia de terra arrasada que logo se poria em marcha com a cumplicidade das Forças Militares e a indolência das autoridades municipais e judiciais.
Gustavo Petro nas Nações Unidas
A liberdade de Mancuso também coincide com a viagem a Nova York do presidente Petro, que apresentou perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas um cru balanço da execução do acordo de paz firmado em 2016 pelo Estados e as extintas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
Segundo o chefe de Estado, após a firma do pacto de paz, os governos de Juan Manuel Santos (2014-2018) e Iván Duque (2018-2022) sabotaram sua implementação, semeando o caminho de obstáculos legais e travas institucionais.
Com Mancuso falando por todo o país, frente aos mais diversos públicos – opinam analistas locais – poderia se dar um grande passo no processo de cura das enormes feridas que deixaram os anos da pólvora, mesmo se as forças tradicionais se esforcem em deslegitimar o mensageiro sob a premissa de que “não se pode crer em semelhante delinquente”.