Jarmo Celestino de Santana, paciente da Comunidade Terapêutica Efata em Cotia, na Grande São Paulo, morreu aos 55 anos na última segunda-feira (8) após passar por uma sessão de tortura e espancamentos dentro da instituição. O funcionário Matheus de Camargo Pinto, de 24 anos, autor das imagens dos maus-tratos que viralizaram nas redes sociais, foi preso em flagrante no mesmo dia. Na terça-feira (9), ele prestou depoimento à Polícia Civil e sua narrativa entrou em contradição com a dos donos da clínica.

Alerta: a reportagem a seguir contém relatos de violência e pode impactar algumas pessoas. A Fórum reproduz por se tratar de interesse jornalístico.

Tudo começou quando um vídeo gravado na noite de sexta-feira (5) passou a circular nas redes sociais e meios de comunicação ao longo do último final de semana. Nas imagens, é possível ver o paciente amarrado com as mãos para trás numa cadeira, enquanto quatro funcionários debocham da sua situação.

A filmagem ainda ganhou uma edição que apresenta um áudio vazado, gravado por um dos agressores. “Cobri no cacete. Ele chegou aqui na unidade… pagar de brabo… cobri no pau. Tô com a mão toda inchada (SIC)”, diz a mensagem.

Na segunda-feira, dias após as agressões gravadas, Jarmo foi levado a um posto de saúde em Vargem Grande do Sul, um município vizinho. Ele tinha uma série de lesões pelo corpo e pouco depois teve sua morte constatada pelos médicos. A Guarda Civil Metropolitana então foi acionada e levou dois funcionários para prestar depoimentos na Delegacia Central de Cotia.

A Polícia Civil afirma que tanto o áudio como o vídeo foram gravados por Matheus de Camargo Pinto. Em depoimento, o jovem confessou as agressões, alegou que “fez uso da força para conter o paciente agitado” e confirmou ser o autor do vídeo. O delegado Adair Marques Correa Junior, responsável pelas investigações, disse que nem precisou questionar sobre os áudios, porque “é inquestionável” que se trate da sua voz.

O que diz o funcionário

O funcionário contou aos policiais que funcionários de uma empresa que levaram Jarmo à Comunidade Terapêutica Efata o teriam agredido durante o trajeto e que o paciente teria sido amarrado por eles. Usuário de drogas, o homem teria sido internado compulsoriamente por seus familiares, que escolheram a clínica após pesquisa na internet. Também disse que a vítima tinha histórico de violência doméstica.

Segundo a versão do funcionário, o paciente chegou ao local na próxima sexta-feira em que as imagens foram gravadas. “Transtornado psicologicamente”, os donos da clínica, o casal Cleber Silva e Terezinha Conceição, fizeram a contenção do paciente. Matheus diz que o “uso da força foi necessário” e que, na tentativa de contê-lo, o paciente acabou arremessado ao chão. Ele então teria ajudado Cleber e Terezinha a segurar a vítima. Ele pelos braços, o patrão pelos joelhos e a patroa pela cintura.

No dia seguinte, Jarmo teria acordado “surtado”, segundo relato do funcionário, e tentado agredir outros internos. Ele alega que precisou entrar em luta corporal, novamente, para contê-lo. Ele usou o famoso “mata-leão”, uma chave de braço que deixa a pessoa com dificuldade para respirar e afirma que o paciente saiu dessa situação sem sequelas.

No domingo (7), ao acordar o paciente para o café da manhã, Matheus acabou deslocando seu ombro e, por isso, Jarmo foi levado ao Pronto Socorro de Vargem Grande Paulista. Ele foi medicado e retornou à clínica. Na segunda, no entanto, Jarmo foi encontrado caído no quarto e encaminhado mais uma vez ao pronto-socorro, onde veio a falecer. Por fim, num último detalhe relatado pelo funcionário, o quarto da vítima passou por limpeza após os acontecimentos.

Matheus foi preso em flagrante na segunda-feira e, na terça, após passar por audiência de custódia, sua prisão em flagrante foi convertida para preventiva. Ele é investigado ao lado dos outros funcionários que aparecem nas imagens pelo possível crime de tortura.

Os proprietários

Os proprietários da Comunidade Terapêutica Efata devem ser ouvidos ao longo da investigação, mas já adiantaram sua versão dos fatos por meio de advogados. A versão entra em contradição com o que relatou o funcionário.

Ao g1, a advogada que defende os donos da clínica disse que o casal está enlutado com a morte do paciente e que estavam de folga no dia em que a tortura foi gravada. Eles alegam que tomaram conhecimento do falecimento de Jarmo pela polícia. “Existem pessoas responsáveis, como esse menino aí (Matheus), que estavam confiando nele. Ninguém tinha feito reclamações. Só agora ficamos sabendo que ele é um torturador”, disse a advogada.

O casal, no entanto, já passou por situação semelhante em 2019, quando foi processado na esfera criminal por maus-tratos contra adolescentes em outra comunidade terapêutica. Entre os detalhes da denúncia do Ministério Público, o casal foi acusado de racionar alimentação e obrigar os jovens a trabalharem como ajudantes de pedreiro em troca de doces e cigarros. O crime prescreveu.