Björn Höcke, um dos mais controversos radicais do partido alemão de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) foi multado por usar um slogan nazista em um evento de seu partido em dezembro do ano passado.
O Tribunal Regional de Halle considerou o político, de 52 anos, culpado de “usar símbolos de organizações inconstitucionais e terroristas” e o condenou a uma multa de 130 diárias de 130 euros cada – ou 16.900 euros (R$ 101,2 mil). Cabe recurso da decisão.
A condenação não o impedirá de concorrer em eleições. Höcke planeja concorrer em setembro a governador no estado da Turíngia, no leste do país, onde ele integra a liderança regional da AfD.
Esse foi o segundo julgamento que ele enfrentou. Em maio passado, Höcke foi condenado a pagar a multa de 13 mil euros, também pelo uso do mesmo slogan em um comício em 2021 na cidade de Merseburg, um veredicto do qual seus advogados estão apelando.
O segundo julgamento em Halle não foi o último para Höcke. O tribunal distrital de Mühlhausen, na Turíngia, deve julgar o político por acusação de incitação ao ódio. O caso diz respeito a uma postagem de Höcke no Telegram em 2022 sobre um ato de violência em Ludwigshafen e o suposto comportamento de muitos imigrantes. As datas do julgamento ainda não foram definidas.
Segunda condenação
No caso dessa mais recente condenação, Höcke foi considerado culpado de ter voltado a incitar apoiadores com o slogan, desta vez fazendo uso de um jogo de palavras. Em um evento num restaurante em Gera, na Turíngia, Höcke se referiu com escárnio à acusação que enfrentava pelo primeiro episódio. “Porque uma vez encerrei uma campanha eleitoral com uma tríade retórica: 'Tudo pela nossa pátria! Tudo pela Saxônia-Anhalt! Tudo pela…”. Na sequência, gesticulando, Höcke incentivou seu público a completar o slogan: “…Alemanha!”, gritaram os apoiadores de Höcke. O político permaneceu no palco rindo e exibindo uma expressão alegre.
O Ministério Público argumentou que tanto o político da AfD quanto o público presente no evento sabiam se tratar de um slogan proibido.
Essa denúncia contra o político havia sido incluída no primeiro processo, mas os juízes decidiram julgá-la separadamente devido a uma mudança na equipe de defesa do acusado.
Notoriedade
Ex-professor de história, Höcke estudou e lecionou a matéria por muitos anos antes de entrar para a política pela AfD e se tornar um de seus representantes mais conhecidos e radicais.
Nos últimos anos, ele ganhou notoriedade com a intensidade e frequência com a qual costuma se referir direta ou indiretamente à era nazista. Em público, ele já usou outras expressões comumente associadas ao nazismo, como “degeneração” e Lebensraum (espaço vital).
Em 2017, ele chamou a atenção nacionalmente na Alemanha quando criticou publicamente o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, que relembra a matança de seis milhões de judeus europeus pelos nacional-socialistas. Na ocasião, ele provocou condenação generalizada na Alemanha ao se referir ao memorial como um “monumento da vergonha”.
Em 2016, num comício da AfD, Höcke também expressou simpatia pela notória negacionista do Holocausto Ursula Haverbeck, apelidada de “vovó nazista” pela mídia alemã, que já foi condenada à prisão em diversas ocasiões por espalhar mentiras sobre o genocídio contra os judeus. Na ocasião, Höcke disse que ela estava sendo perseguida pelo que chamou de um “crime de opinião”.
Obsessão pelo nazismo
Em 2017, no mesmo discurso em que atacou o Memorial do Holocausto de Berlim, Höcke criticou a maneira como os alemães lidam com a herança da ditadura nazista. Na ocasião, quando falava para a ala jovem da AfD, a Junge Alternative, ele classificou isso de uma “política de enfrentamento estúpida” que “paralisa” a Alemanha. Na sequência, disse: “Precisamos de uma virada de 180 graus na política de memória”.
A fala sobre o memorial chegou a render a abertura de um processo de expulsão contra Höcke na AfD, mas no final a direção do partido decidiu mantê-lo como membro. Em vez de uma expulsão, o que aconteceu desde então é que o partido como um todo se radicalizou na direção de Höcke.
Höcke publicou seus pensamentos em um livro em 2018. Nele, ele argumenta que é errado que “Hitler seja retratado como absolutamente maligno” e que diz que a questão não pode ser vista de uma ótica em “preto e branco”.
O livro está repleto de outras declarações radicais. Höcke diz que um novo líder é necessário, que a Alemanha está ameaçada “nacionalmente de morte por meio da substituição da população” – reverberando uma das principais teorias conspiratórias da extrema direita internacional. E ainda pareceu mandar um recado ameaçador para os alemães que não abraçam essas ideias: “Membros gangrenosos não podem ser curados com água de lavanda, como Hegel já sabia”.
Em 2019, Höcke abandonou uma entrevista televisiva ao se irritar quando um jornalista mostrou um vídeo que citava uma frase sua. As imagens mostravam um repórter perguntando a alguns membros da própria AfD: “quem disse isso? Höcke ou Hitler em Mein Kampf?”. A maior parte dos membros da AfD entrevistados evitou responder, mas um disse acreditar que a frase havia sido dita por Hitler. A frase em questão era: “Quando o ponto de virada for alcançado, nós, alemães, não faremos as coisas pela metade, vamos descartar o entulho da modernidade”.
“Höcke é um fascista”
As afirmações do livro de Höcke foram consideradas tão radicais que uma corte alemã as usou como base para sua decisão de que a afirmação “Höcke é um fascista” não é caluniosa, mas se baseia em uma base factual verificável. A decisão foi tomada pelo Tribunal Administrativo de Meiningen, em 26 de setembro de 2019. Höcke também é monitorado pelo serviço inteligência interno do país desde 2020.
Toda essa notoriedade de Höcke, tanto na mídia alemã quanto em debates sobre a AfD, é ainda mais chamativa porque o ultradireitista não ocupa nenhum cargo político de nível nacional e nunca ocupou um. Ele nem mesmo faz parte do diretório nacional da AfD.
No entanto, Höcke, mesmo sendo um mero deputado estadual, passou a ser um tema constante na política alemã, com muitos no país debatendo seus pensamentos, visão de mundo e ações políticas.
Ambições
Mas o motivo é claro: por causa ou apesar de seu radicalismo, Höcke ajudou a dar destaque para a AfD em seu estado, a Turíngia. No momento, o partido lidera as pesquisas eleitorais nesse estado do leste alemão, que vai ser palco de uma eleição em setembro deste ano.
Höcke não esconde sua ambição de se tornar governador da Turíngia, o que tem levantado temores no país de que, pela primeira vez desde 1945, um estado alemão possa ser governado por um “fascista”.
O diretório da AfD na Turíngia está desde março de 2022 sob a vigilância do Departamento de Proteção à Constituição da Alemanha (BfV), a agência de inteligência interna do país. O tribunal que aprovou a medida concluiu que existiam indícios suficientes de aspirações anticonstitucionais dentro do diretório estadual, que passou a ser classificado como como uma organização “confirmada como extremista de direita”.