Houve importantes mudanças em um Haiti devastado pela violência, mas ainda resta ver se ocorrerão os tão necessários avanços. O primeiro-ministro interino, Garry Conille, jurou seu cargo em 3 de junho. Conille, antigo funcionário das Nações Unidas que ocupou brevemente o cargo de primeiro-ministro há mais de uma década, foi o resultado da eleição de compromisso do Conselho Presidencial de Transição.

O Conselho foi formado em abril para assumir temporariamente as funções da presidência depois da demissão do líder de fato Ariel Henry.

Recrudescimento da violência

O Haiti viveu a violência intensa e generalizada de gangues desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em julho de 2021. Henry viu-se finalmente obrigado a abandonar o cargo quando o conflito se intensificou ainda mais. Em fevereiro, duas importantes redes de gangues uniram suas forças. Atacaram o principal aeroporto do Haiti, obrigando-o a fechar durante quase três meses e impedindo que Henry regressasse do estrangeiro.

As gangues assumiram o controle dos postos de polícia e das duas maiores cadeias do Haiti, libertando mais de 4 mil presos. A violência se intensificou em uma zona da capital, Porto Príncipe, até então considerada segura, onde se encontram o palácio presidencial, a sede do governo e as embaixadas.

Os cidadãos haitianos pagaram um preço muito alto: a ONU calcula que cerca de 2.500 pessoas morreram ou ficaram feridas devido à violência das gangues no primeiro trimestre deste ano, um assombroso aumento de 53% em relação ao trimestre anterior.

Henry, ilegitimidade e fracasso

A sociedade civil não sentirá falta de Henry. Em geral, considerava-se que carecia de legitimidade. Moïse anunciou sua nomeação pouco antes de seu assassinato, mas nunca foi formalizada, e depois ganhou uma luta pelo poder graças em parte ao apoio de Estados estrangeiros.

Seu mandato foi um fracasso estrepitoso. Foi quando as gangues pareciam a ponto de tomar o controle total de Porto Príncipe que Henry perdeu definitivamente o apoio dos Estados Unidos.

Agora, os Estados Unidos, outros Estados e a Comunidade do Caribe (Caricom) apoiaram o Conselho e uma força policial internacional dirigida pelo Quênia, que já começou a ser implantada.

Manutenção da resistência

Cabe esperar que os líderes das gangues mantenham sua resistência a estes avanços. O mais destacado, o ex-policial Jimmy Chérizier, exige participar das conversações. Mas isto parece uma pose. Chérizier gosta de apresentar-se como um revolucionário, do lado dos pobres contra as elites.

De fato, as gangues são depredadoras. Matam inocentes, e os mais pobres são os que mais sofrem. As atividades com que as gangues ganham dinheiro, como o sequestro extorsivo, a extorsão e o contrabando, beneficiam-se da frágil aplicação da lei e da falta de autoridade central.

Aos líderes das gangues convém maximizar o caos durante o maior tempo possível e, quando isto terminar, buscarão um acordo com políticos favoráveis, como já fizeram no passado.

A quem interessa as disputas políticas?

As disputas políticas convêm às gangues, razão pela qual é preocupante que a criação do Conselho requeira negociações extensas e prolongadas. O opaco processo caracterizou-se, evidentemente, pelas manobras interesseiras dos políticos em sua luta pela posição e pelo status.

O órgão resultante tem nove membros: sete com direito a voto e dois observadores. Seis dos sete procedem de formações políticas, e o sétimo é um representante do setor privado. Um observador representa grupos religiosos e o outro a sociedade civil: Régine Abraham, cientista agrícola de profissão, do Agrupamento por um Acordo Nacional.

A formação do Conselho foi seguida pouco depois pela chegada de uma força de frente da polícia queniana, a que se seguirão outras. Demorou muito para chegar. O plano atual de uma força policial internacional foi aprovado por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU em outubro de 2023.

Iniciativa queniana

O governo do Quênia tomou a iniciativa, oferecendo mil agentes, com um número menor procedente de outros lugares. Mas a oposição queniana obteve uma ordem judicial que impedia temporariamente a transferência. Henry estava no Quênia para assinar um acordo de segurança mútua a fim de evitar a sentença, quando o fechamento do aeroporto o deixou retido ali.

Muitos haitianos desconfiam, com razão, da possibilidade de que intervenham potências estrangeiras. O país tem um triste histórico de ingerências internacionais interessadas, sobretudo por parte do governo estadunidense, enquanto as forças da ONU não foram salvadoras.

Uma missão de manutenção da paz de 2004 a 2017 cometeu abusos sexuais e introduziu a cólera. Esta será a undécima missão organizada pela ONU desde 1993, e todas foram acusadas de violações dos direitos humanos.

A sociedade civil haitiana indica o longo histórico da polícia queniana de cometer atos violentos e abusos contra os direitos, e teme que não entenda a dinâmica local. Também se coloca a questão de se os recursos investidos na missão não poderiam ser melhor empregados equipando e apoiando adequadamente as forças do Haiti, que sempre estiveram muito mais mal equipadas do que as gangues.

As precedentes iniciativas internacionais fracassaram manifestamente na hora de ajudar a reforçar a capacidade das instituições haitianas para proteger os direitos e defender o Estado de direito.

É hora de ouvir

A sociedade civil haitiana tem razão ao criticar o processo atual por não estar à altura das expectativas. É impossível esperar que uma única pessoa represente a diversidade da sociedade civil haitiana, por mais que se esforce. E esta pessoa nem sequer tem voto: o poder de tomar decisões por maioria de votos está nas mãos de partidos políticos que muitos consideram que contribuíram para criar a desordem atual.

O Conselho é também uma instituição dominada pelos homens: Abraham é seu único membro feminino. Dado que as gangues utilizam habitualmente a violência sexual como arma, o Conselho não parece estar em boas condições para começar a construir um Haiti livre de violência contra as mulheres e as meninas.

E dado o papel das potências internacionais em sua criação, o Conselho, assim como a missão liderada pelo Quênia, expõe-se à acusação de ser uma intervenção estrangeira mais, dando lugar a suspeitas sobre os motivos daqueles que estão por trás dele.

Os últimos passos poderiam ser o começo de algo melhor, mas só se se consolidarem, avançando na direção correta. A sociedade civil está pressionando o governo para que faça mais: para que haja muito mais liderança feminina e mais participação da sociedade civil.

Quanto à missão dirigida pelo Quênia, a sociedade civil solicita que sejam estabelecidas salvaguardas sólidas em matéria de direitos humanos, incluindo-se a possibilidade de apresentar queixas caso a missão, como todas as anteriores, cometa abusos dos direitos humanos. Não deveria ser pedir muito.