Ao tomar conhecimento do início das movimentações de blindados militares e soldados das Forças Armadas reacionários da Bolívia, o presidente Luis Arce convocou bolivianos a se mobilizarem contra a tentativa de golpe de Estado. Rapidamente, conseguiu nomear um novo comando militar, tendo à frente o general José Wilson Sánchez Velázquez, que foi nomeado ao cargo de comandante das Forças Armadas. Arce, junto a outros ministros do governo, então, se dirigiu para o Palácio Quemado. Lá foi onde ocorreu o encontro entre o presidente e o general Zúñiga – que neste momento já havia tomado o Palácio Quemado, sede do governo.

Zúñiga afirmou que sua movimentação militar havia sido combinada dias antes em uma conversa reservada em que o presidente lhe revelou que seu governo passava por um momento difícil e que era preciso produzir um episódio para resgatar o apoio e legitimidade de seu governo.

Diferentemente de 2019, a postura da Organização dos Estados Americanos (OEA) não foi de apoio ao golpe. O Secretário-Geral da OEA, Luis Almagro, se pronunciou condenando a ação militar golpista: “O Exército deve submeter-se ao poder civil legitimamente eleito.” No que seguiram os opositores políticos do presidente boliviano, que também não apoiaram a tentativa de golpe de Zúñiga. Jeanine Añez, que está presa após ser auto-proclamada presidente interina em 2019 – após o golpe de Estado chancelado pelo USA via OEA – condenou o que chamou de “tentativa de destruir a ordem constitucional”. Luis Fernando Camacho, ex-governador da província de Santa Cruz (a mais rica do país) que também está preso após o golpe de Estado de novembro de 2019, afirmou que a ação era ilegal e inconstitucional, defendendo o governo de Arce.

Antes de 26 de junho, o governo de Luis Arce vinha enfrentando crises políticas e sua condução econômica estava sendo colocada em cheque. O principal aspecto da crise antes de 26 de junho girava em torno da exploração de lítio e da disputa com Evo Morales, que tem pretensões de eleger-se à presidência nas próximas eleições, previstas para 2025.

Imperialistas de olho no Lítio boliviano

O país tem a maior reserva de lítio do mundo, com cerca de 23 milhões de toneladas. A grande expectativa das classes dominantes bolivianas era discutir a forma concreta como se daria a exploração. Algumas perguntas que rondavam eram quanto de impostos seria cobrado, quais próximos acordos seriam fechados e quais superpotências imperialistas iriam ser beneficiadas com a possibilidade de exploração das riquezas minerais da Bolívia.

No início de 2024, a Bolívia fechou um acordo com a China para a extração direta de até 2.500 toneladas do recurso estratégico por um ano. Há expectativa de que a Rússia feche acordo semelhante.

Além disso, a Lei da Empresa Pública Nacional Estratégica de Sítios de Lítio Bolivianos (de número 928 de 2017) pretende priorizar a soberania nacional em todas as etapas da extração e produção.

Na semana passada, a Encarregada de Negócios da Embaixada do Estados Unidos na Bolívia foi convocada pelo ministério das Relações Exteriores do governo de Arce para prestar esclarecimentos. O governo queria detalhes sobre a “intromissão em assuntos internos sobre questões econômicas”. No mês passado, Laura Richardson, chefe do Comando Sul do USA, tratou da riqueza natural boliviana ao anunciar o novo “Plano Marshall” para a América Latina. “Olha para o petróleo. A Amazônia tem 31% da água doce do mundo, 60% do lítio, ouro, cobre e soja do mundo”, afirmou a imperialista ianque. Em 2020, Elon Musk, o imperialista sul-africano, defendeu que o Estados Unidos pode dar golpes em quem quiser, se referindo especificamente ao lítio, cujo maior comprador é sua empresa Tesla, que as utiliza nas baterias elétricas automotivas.

Arce e Evo: briga pela direção do governo

A crise política é outro aspecto do momento anterior a 26 de junho. Evo Morales se pronunciou denunciando a tentativa de golpe assim que iniciaram os movimentos de Zúñiga. O episódio extremo de uma tentativa de golpe militar de Estado foi responsável pelo raro momento em que Morales e Arce estiveram do mesmo lado nos últimos anos.

A busca de Morales por retornar à presidência da Bolívia (após ser presidente entre 2006 e 2019, ano do golpe de Estado que deixou 33 mortos, centenas de feridos e outras centenas presos) é um dos pontos principais da crise política boliviana.

O general Zúñiga afirmou, no início dessa semana, que prenderia Morales se este insistisse em concorrer às eleições mesmo estando inabilitado pela Justiça Eleitoral. Por conta da declaração, foi destituído pelo presidente Arce. Porém, o próprio Arce (que foi ministro da Economia durante o governo Morales) possui profundas divergências com o ex-presidente.

Assim que a OEA divulgou um relatório apontando fraude nas eleições de 2019 (corroborando com a tese da oposição derrotada), o golpe de Estado estava chancelado pelo Estados Unidos via OEA. Evo Morales saiu do país para o México, em exílio. Meses após, a autoproclamada “presidente” da Bolívia, Jeanine Áñez, junto da bancada do Movimento para o Socialismo (MAS) e os líderes oportunistas sindicais, assinaram, no dia 17 de novembro, um acordo de “pacificação”, de paralisação dos protestos populares contra o golpe militar e a realização de novas eleições.

Dentro do acordo, Evo Morales ficou impedido de participar das eleições presidenciais em 2020. Foi neste momento que Luis Arce saiu candidato e assumiu a presidência, após receber mais de 52% dos votos em uma campanha marcada pelo apoio de Arce a Morales.

Porém, ao assumir, Arce foi pressionado por Morales a realizar uma reforma ministerial, gerando uma crise política em 2021. Não cedendo às vontades de Morales, Arce passou a ser tachado como “direitista” dentro do partido de ambos, o MAS. No X Congresso do MAS, registrou-se a “autoexpulsão” do presidente Luis Arce e de seu vice, também do MAS, David Coquehuanca. Protestos nas ruas se sucederam ao episódio interno da disputa na sigla partidária. Eles foram violentos, com três mortos, 32 policiais feridos e 21 manifestantes presos com explosivos. Foram registrados, no período, um aumento do preço dos insumos básicos e escassez de alguns produtos em La Paz.

A grande questão para o governo de Arce é qual o próximo passo a ser dado. Não há ainda como definir se Evo Morales vai abrir mão de sua candidatura (algo difícil de se imaginar). Mas o presidente Arce certamente buscará pintar-se como o responsável por impedir um golpe militar de Estado.

Estou tentando trazer matérias sobre esse caso por jornais diferentes para diversificar a quantidade de informações e análises.