Há 194 anos, em 21 de junho de 1830, nascia o advogado, escritor e jornalista Luiz Gama, Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil. Expoente do romantismo, foi um destacado intelectual negro no Brasil escravocrata do século 19 e por meio de sua luta abolicionista conseguiu libertar mais de 500 negros escravizados. Seu nome consta no rol do Livro de Aço dos Heróis Nacionais desde 2018.

Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em Salvador, Bahia, filho de um fidalgo português e de Luísa Mahin — uma africana escravizada da nação Jeje-Nagô, que passou a trabalhar como quitandeira após ser alforriada. Conforme a tradição, Luísa deixou o filho sob os cuidados do pai e partiu para lutar nos levantes dos escravizados, atuando na Revolta dos Malês e na Sabinada. O pai, entretanto, endividado com jogos de azar, resolveu vendê-lo como escravo para quitar suas dívidas.

Gama, então com 10 anos de idade, foi adquirido em um leilão no Rio de Janeiro pelo alferes Antônio Pereira Cardoso, sendo levado em seguida para o município de Lorena, onde passou a trabalhar como escravo doméstico, lavando e passando roupa, e como escravo de ganho, exercendo os ofícios de costureiro e sapateiro.

Em 1847, Gama foi alfabetizado por Antônio Rodrigues do Prado Júnior, estudante de direito que se hospedara na casa do alferes Cardoso. Através da leitura dos códigos criminais do Império, tomou conhecimento de que sua situação de escravizado era ilegal, uma vez que nascera em liberdade, filho de pais livres. Fugiu então da fazenda e se dirigiu a São Paulo, onde conquistou sua alforria na Justiça. Em 1848, alistou-se na Força Pública da província, onde serviria como praça por sete anos. Casou-se em 1850 com Claudina Gama, mãe de seu único filho, Benedito Graco. Em 1854, passou 39 dias preso, acusado de insubordinação. Ele havia se desentendido com um oficial da Força Pública que o insultara. Posteriormente, Gama foi expulso da corporação.

Dotado de boa caligrafia e talento para escrita, Gama foi contratado como copista pelas autoridades oficiais, sendo posteriormente promovido a escrivão da Secretaria de Polícia de São Paulo. Alocado no gabinete de Francisco Mendonça, professor de direito, Gama começou a estudar legislação. Usufruindo da tutoria e da biblioteca de Mendonça, resolveu se matricular na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Não obstante, os professores e estudantes se recusaram a aceitar a presença de um negro em sala de aula, impossibilitando sua matrícula na instituição. Gama passou então a estudar por conta própria, tornando-se um rábula — isso é, um advogado autodidata, autorizado a atuar sem o diploma de direito, por possuir conhecimento jurídico análogo ao de um profissional formado.

Na década de 1860, Gama iniciou sua atuação como escritor e jornalista, escrevendo artigos para diversos periódicos. Em 1864, ao lado do caricaturista italiano Angelo Angostini, fundou o Diabo Coxo, primeiro jornal humorístico de São Paulo. Também escreveu artigos abordando assuntos sociorraciais, reportagens denunciando a violência contra a população negra, textos criticando a monarquia e exortando o fim da escravidão e comentários políticos em jornais como o Radical Paulistano (órgão oficial do Clube Radical Paulistano, onde exercia a função de orador), Cabrião, Correio Paulista e Polichinello.

Destacou-se igualmente como poeta, escrevendo obras políticas e satíricas, além de versos evocando a identidade negra, aliados às referências mitológicas e alusões aos escritores do passado, em consonância com a estética romântica. Em 1859, sob o pseudônimo de Getulino, publicou sua obra-prima Primeiras Trovas Burlescas, hoje reconhecida como referência da literatura romântica brasileira. Também é o autor de O Moralista, publicado pelo Almanaque Literário de São Paulo.

Gama tornou-se um dos maiores líderes do movimento abolicionista do século 19, utilizando seu conhecimento jurídico para auxiliar os cativos. Filiou-se ao Partido Liberal e ingressou em diversas organizações anti-escravagistas, além de se tornar membro da Loja Maçônica América, bastante ativa na causa abolicionista. Ele publicava anúncios em jornais oferecendo seus serviços “pro bono” aos escravizados. Na Justiça, conseguiu garantir a libertação de diversos cativos demonstrando que foram trazidos ilegalmente para o Brasil após a promulgação da Lei Feijó, em 1831. Diversos outros escravos foram libertados por meio da comprovação de irregularidades com a matrícula. Por intermédio dessas ações, Gama conseguiu libertar mais de 500 negros escravizados.

Gama fez campanha em favor da aprovação Lei do Ventre Livre, promulgada em 1871, que concedia alforria a todas as crianças nascidas de mulheres escravas a partir da data da sanção. Também elaborou uma estratégia perspicaz de utilizar abolicionistas como avalistas de escravos, reduzindo os valores de compra. Os escravos adquiridos eram então imediatamente alforriados.

Embora atuasse principalmente em prol da libertação e defesa de negros acusados de crimes, Gama também atendia gratuitamente despossuídos de outras etnias, incluindo imigrantes europeus lesados por brasileiros. Sua atuação em processos de escravos causou irritação de setores conservadores, que passaram a exigir seu afastamento do serviço público. Em 1868, Gama foi demitido de seu cargo na Secretaria de Polícia, por pressão dos escravagistas incomodados com as alforrias conquistadas pelo advogado.

Gama lutou até o fim de sua vida por um país “sem reis e sem escravos”. Seus textos demonstram uma aguçada percepção da opressão sobre negros como um instrumento de domínio das classes dominantes. Em um artigo publicado no Correio Paulistano em 1867, Gama assevera que “o dia da felicidade será o memorável dia da emancipação do povo, e o dia da emancipação será aquele em que os grandes forem abatidos e os pequenos levantados; em que não houver senhores nem escravos, nem chefes nem subalternos, nem poderosos nem fracos, nem opressores nem oprimidos”. Em outro texto, esse escrito para a Gazeta do Povo em 1880, ele assinala que “em nós, até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores.”

Luiz Gama não chegou a ver a abolição da escravatura. Ele faleceu alguns anos, em 24 de agosto de 1882, em decorrência de complicações causadas pela diabetes. Sua morte causou grande comoção e o seu funeral atraiu milhares de pessoas, incluindo vários dos negros alforriados que ele ajudou a libertar.

O articulista Zeca Borges descreveu o enterro como “o mais emocionante acontecimento da história da cidade de São Paulo” até então. Em 1931, Luiz Gama se tornou a primeira pessoa negra a ser homenageada com uma estátua na cidade de São Paulo. Em 2015, 133 anos após sua morte, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lhe concedeu oficialmente o título de advogado.