Muhammad Anza, de Rafah, na fronteira da Faixa de Gaza com o Egito, está procurando há semanas por seu tio Ibrahim Al-Shaer, que desapareceu no início de maio.

“Desde aquele dia, ele nunca mais voltou e não temos notícias dele”, disse Anza, de 19 anos. “Estamos em um estado de grande preocupação. Queremos saber onde ele está, queremos saber se ele está morto, para que possamos enterrá-lo e ter misericórdia dele, ou se ele foi detido (pelos militares israelenses)”.

Quando os militares israelenses lançaram uma ofensiva no leste de Rafah em 6 de maio contra o grupo fundamentalista islâmico Hamas, Al-Shaer e sua família receberam ordens de deixar sua casa na área. Anza disse que seu tio tentou voltar alguns dias depois para recuperar alguns itens que a família não tivera tempo de levar consigo.

A família, conta Anza, procurou hospitais e perguntou sobre o tio a vizinhos que haviam retornado na mesma época para verificar suas casas. Houve bombardeios e ataques aéreos nas proximidades, mas os mortos foram identificados pelos serviços de emergência.

“Entramos em contato com a polícia, a Cruz Vermelha e os comitês locais, mas não sabemos onde ele está, e ninguém sabe de nada”, disse Anza.

A família, como muitas outras, postou uma foto e uma descrição das circunstâncias do desaparecimento de Al-Shaer nas mídias sociais, pois não sabia mais a quem recorrer.

Milhares de corpos não identificados e pessoas desaparecidas

Com a guerra entre Israel e o Hamas em seu nono mês, milhares de pessoas seguem desaparecidas no enclave palestino. Muitas podem estar sob escombros após ataques aéreos. Acredita-se que outras tenham sido detidas em postos de controle israelenses ao tentar retornar ao norte de Gaza ou fugir para o sul.

Embora o número exato de pessoas procuradas seja desconhecido, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) registrou 6,5 mil casos de desaparecidos em Gaza desde o início do conflito.

“Desde 7 de outubro, abrimos linhas diretas para que as pessoas nos liguem se tiverem parentes desaparecidos por qualquer motivo, como uma alegação de detenção ou prisão, se eles foram separados durante as evacuações ou se podem ter sido feridos ou mortos”, disse Sarah Davies, oficial de comunicações do CICV em Jerusalém.

Os corpos que são recuperados e levados para os necrotérios de Gaza nem sempre são facilmente identificados. Em 10 de junho, 9.839 mortos estavam sem identificação, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo Hamas. Outros 27.325 foram identificados.

Mais de 37 mil palestinos morreram até agora na guerra entre Israel e Hamas em Gaza, informou a pasta. Os números não fazem distinção entre combatentes e civis. A DW não pode verificar as cifras de forma independente.

Enquanto isso, de acordo com as Forças de Defesa de Israel, pelo menos 650 soldados foram mortos desde o ataque de 7 de outubro, 298 dos quais morreram durante a operação terrestre em Gaza que começou no final de outubro de 2023.

Davies disse que encontrar os desaparecidos é extremamente desafiador devido à situação em Gaza.

“Embora tenhamos ampla experiência em zonas de guerra, no momento, o rastreamento ativo é impossível”, disse ela.

A Cruz Vermelha geralmente faz o rastreamento ativo, que envolve ir às ruas e bater nas portas das pessoas para fazer perguntas. Mas agora, em Gaza, “as pessoas não têm portas”, disse Davies, “e estão constantemente sendo deslocadas e deslocadas novamente”.

Telefones perdidos e comunicação instável

Linhas de comunicação instáveis e telefones perdidos às vezes dificultam ainda mais o contato com as pessoas. O CICV tem cinco operadores de linha direta em Gaza que recebem informações básicas das pessoas que procuram seus entes queridos, como o local onde foram vistos pela última vez. Em seguida, um especialista em rastreamento liga para as famílias e tenta montar um dossiê.

“Os operadores da linha direta estão ouvindo histórias de famílias, e é de partir o coração”, disse Davies. “Algumas pessoas perderam vários membros da família ou foram separadas de vários membros da mesma família. E não se sabe se foi porque estão sob escombros ou porque perderam o telefone ou o chip do celular, ou se estão em uma área sem conexão e sem internet, mas estão bem”.

Os nomes dos desaparecidos são cruzados com as listas dos poucos hospitais que ainda estão funcionando ou com as listas de detidos por Israel.

Desde 7 de outubro, Israel prendeu milhares de palestinos em Gaza e os levou para centros de detenção por suspeita de conexão com organizações militantes.

Israel detém militantes suspeitos

Nas últimas semanas, surgiram relatos de abusos graves em relação ao centro de detenção de Sde Teiman, no sul de Israel. Os palestinos são detidos de acordo com a Lei dos Combatentes Ilegais, uma legislação alterada pelo Parlamento de Israel e aprovada em dezembro de 2023, que permite que os militares israelenses prendam militantes suspeitos. Para organizações israelenses de direitos humanos, algumas das acusações acabam não sendo verdadeiras e essas pessoas são enviadas de volta a Gaza em algum momento.

Mohammed Al-Madhoun procura o irmão Khalil, um ex-funcionário de 47 anos da Autoridade Palestina em Gaza que foi deslocado do norte do enclave palestino para Khan Younis com sua irmã viúva no início da guerra.

“A esposa e os três filhos do meu irmão permaneceram no norte de Gaza. Ele sentia muita falta deles e tentou várias vezes voltar para o norte, mesmo sabendo que era perigoso”, disse Al-Madhoun. “Em 18 de maio, não o encontrei em sua barraca ao lado da minha”.

O telefone celular de Khalil está desligado desde então, e as buscas em hospitais e por meio da Cruz Vermelha não renderam nenhuma informação. A família também recorreu às mídias sociais, mas, além de um relato de que ele teria sido visto na região central de Gaza, não houve mais nenhum vestígio de Khalil.

Al-Madhoun suspeita que seu irmão tenha tentado atravessar de volta para o norte de Gaza e tenha sido preso pelo exército israelense em um posto de controle ou morto em circunstâncias desconhecidas.

“Estamos em um estado constante de confusão, não sabemos o destino dele e ninguém tem uma resposta. Só esperamos que ele esteja vivo”, disse Al-Madhoun.

A parte mais dolorosa em zonas de conflito em todo o mundo é a incerteza sobre o destino de seus entes queridos, disse Sarah Davies.

“Não é perder a casa, não poder comer ou não saber de onde você tira água”, disse ela. “É ser separado dos membros de sua família sem saber o que aconteceu com eles. Talvez eles estejam vivos, e você tem esperança de que isso aconteça, mas também pensa nos piores cenários possíveis. Não há como encerrar o assunto”.