Trato aqui exclusiva e hipoteticamente das consequências de uma insurreição vitoriosa e dos métodos violentos que alguns gostariam de utilizar para “fazer justiça” e que outros consideram necessários para defender a revolução contra os truques do inimigo.

Deixemos de lado a “justiça”. É um termo demasiado relativo, que sempre serviu de pretexto a toda a espécie de opressão e de injustiça, e que muitas vezes não significou mais do que uma vingança de sangue. O ódio e o desejo de vingança são emoções desregradas que são naturalmente despertadas e alimentadas pela opressão. Mas se podem ser uma força positiva para sacudir o jugo, tornam-se uma força negativa quando chega o momento de substituir a opressão, não por uma nova opressão, mas pela liberdade e pela solidariedade. Devemos, portanto, esforçar-nos por despertar sentimentos mais elevados, que se fortaleçam no amor do bem, evitando, ao mesmo tempo, perder o ímpeto. Se deixarmos que a massa do povo actue de acordo com os ditames da paixão, se a alternativa for uma força controladora que a abrande, isso conduzirá a uma nova tirania. Mas devemos sempre lembrar que, como anarquistas, não podemos ser nem vingadores nem carrascos. Se queremos ser libertadores, temos de agir como tal através da propaganda e dos actos.

Vamos à questão mais importante, que é também a única questão séria levantada pelos meus críticos sobre este assunto: a defesa da revolução.

Muitas pessoas ainda estão fascinadas pela ideia de “terror”. Parece-lhes que as guilhotinas, os pelotões de fuzilamento, os massacres, as deportações e as prisões (“forcas e galés”, como me disse recentemente um importante comunista) são armas poderosas e indispensáveis da revolução, e que se tantas revoluções foram derrotadas ou as expectativas frustradas, isso se deve a demasiada bondade, “fraqueza”, por parte dos revolucionários que não perseguiram, reprimiram ou mataram o suficiente.

O terror, tal como a guerra, desperta sentimentos brutais e atávicos, ainda pouco encobertos pelo verniz da civilização, e traz ao de cima os piores elementos do povo. Em vez de ajudar a defender a revolução, ajuda a desacreditá-la, a torná-la odiosa para a maioria; e, após um período de luta feroz, conduz inevitavelmente àquilo a que hoje se chama “normalização” - a legalização e perpetuação da tirania. Qualquer que seja o partido vencedor, termina sempre no estabelecimento de um governo forte, que para alguns assegura a paz à custa da liberdade, para outros o poder sem demasiados perigos.

Sei bem que os anarquistas terroristas (os poucos que existem) rejeitam qualquer forma de terror organizado, ordenado pelo governo por agentes contratados, e que gostariam que os seus inimigos fossem mortos diretamente pela massa do povo. Mas isso só iria piorar a situação. O terror pode agradar aos fanáticos, mas convém sobretudo aos verdadeiros vilões, ávidos de sangue e de dinheiro. E não se deve tentar idealizar as massas e imaginá-las como sendo compostas por homens e mulheres simples que, se cometem excessos, fazem-no com boas intenções. A polícia e os fascistas servem a burguesia, mas saem do seio do povo!

O fascismo acolheu muitos criminosos nas suas fileiras e, de certa forma, purificou antecipadamente o ambiente em que a revolução terá lugar. Mas não há necessidade de acreditar que todos os Duminis e Cesarino Rossis deste mundo são fascistas. Há aqueles que, por qualquer razão, não querem ou não puderam tornar-se fascistas, mas que, em nome da “revolução”, estão dispostos a fazer o que os fascistas fazem em nome da “pátria”. Tal como os assassinos de todos os regimes estão sempre prontos a alugarem-se a novos regimes e a tornarem-se os seus apoiantes mais zelosos, também os fascistas de hoje se apressarão a tornar-se os anarquistas ou comunistas de amanhã, ou o que quer que seja, desde que possam tiranizar os outros e dar vazão às suas próprias intenções perversas. E se não o puderem fazer na sua própria terra, porque aí são conhecidos e comprometidos, levarão o estandarte revolucionário para outras terras e tentarão subir à proeminência sendo mais violentos, mais “enérgicos” do que os outros, e tratando como moderados, reaccionários e contra-reaccionários aqueles que vêem a revolução como um grande trabalho de bondade e amor.

É claro que a revolução tem de ser defendida e desenvolvida com uma lógica inexorável; mas não deve e nem pode ser defendida com meios que contradigam os seus próprios fins.

Se, para ganhar, tivermos de instalar a forca na praça pública, prefiro perder.

https://theanarchistlibrary.org/library/errico-malatesta-revolutionary-terror

*Para deixar claro, o texto ou autor não está defendendo uma revolução pacíficas, sem armas, sem confrontos corporais e trocas de tiros, pq o autor não acredita nisso. Ele está sendo contra vingança disfarçada de revolução. Pq a revolução em si tem que ser contra o sistema de opressão. E se não for, os meios estariam contradizendo seus fins e desvirtuando deles.