A velocidade de um filme de cinema é de 25 fotogramas por segundo. Sabe Deus quantos fotogramas por segundo passam na nossa perceção quotidiana.

Mas é como se, nos breves momentos de que estou a falar, de repente e desconcertantemente víssemos entre dois fotogramas. Deparamo-nos com uma parte do visível que não estava destinada a nós. Talvez estivesse destinada aos pássaros noturnos, às renas, aos furões, às enguias, às baleias.

A nossa ordem visível habitual não é a única: coexiste com outras ordens. As histórias de fadas, de duendes, de ogres, foram uma tentativa humana de se conformar com essa coexistência. Os caçadores estão continuamente conscientes dessa coexistência e, por isso, podem ler os sinais que descobrem o hábito dos interstícios se esconderem por detrás de coisas diferentes, que não vemos.

As crianças sentem-no intuitivamente, pq elas tem o hábito de se esconderem atrás das coisas e observar. Lá elas descobrem os intercítios das diferentes palhetas do visível.

Os cães, com as suas pernas que correm, os seus narizes apurados e a sua memória desenvolvida para os sons, são os especialistas naturais desses interstícios. Os seus olhos, cuja mensagem nos confunde muitas vezes por ser urgente e muda, estão sintonizados tanto com a ordem humana como com outras ordens visíveis.

John Berger.

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